Utilizamos o vocábulo "inocular" quando queremos referir-nos a certos animais, como a cascavel, que injectam veneno letal nas suas vítimas. Mas "inocular" é também uma palavra do convívio da medicina, que anda associada, por exemplo, ao processo de produção de vírus que, inoculados nas pessoas e noutros seres, ajudam a combater outros vírus. Ou seja, neste caso "inocular" tem a ver com o acto de vacinar. Por outro lado, dizemos, em sentido figurado, ou se calhar não, que o ciúme inocula-se, mais cedo ou mais tarde, nos corações dos apaixonados, tal como o experimentou Charles Swann na sua relação turbulenta com Odette de Crécy, na colossal e inesquecível Recherche. No entanto, "inocular" reserva-nos uma outra acepção, porventura a mais surpreendente porque a menos conhecida de todas, pois significa, em Biologia, "inserir microrganismos em meios de cultura", leia-se, por exemplo, a inoculação de fungos no âmbito do processo de compostagem, tal como foi engendrado há dias na nossa horta. E como é que isso se faz e qual a razão para assim proceder? A história começa dez dias antes, quando, a pedido da professora Dulce - pedido estranho, convenhamos - somos levados a cozinhar um quilo de arroz sem sal. Concebemos entretanto uma bolsa de rede de plástico de malha fina, de formato quadrado, cosida em três lados, servindo o restante como abertura, através da qual introduzimos o arroz, depois de arrefecido. Ao fim de dez dias e dez noites em que a bolsa foi deixada ao ar livre e ao relento próxima das margens da ribeira de Brenhas, o arroz tinha sido tomado por colónias de fungos de pigmentos ocres, verdes, marrons e pretos, restando muito pouco do branco original. Como explica a professora Dulce, o objectivo desta experiência é o de proporcionar a criação de grandes quantidades de fungos diversos que, uma vez inoculados na pilha de resíduos orgânicos da horta, contribuirão para acelerar o processo de compostagem e tornar o húmus final mais rico em nutrientes. Digerindo ou decompondo a matéria, os microganismos mais não fazem do que transformar as substâncias complexas presentes nos resíduos em formas químicas mais simples, os nutrientes minerais, que regressam ao solo para serem assimilados pelas plantas, completando-se assim o ciclo da vida. Finda a explicação, é desta massa bolorenta e meio viscosa que a professora Dulce arranca então uma primeira porção, a que se seguirão outras cinco, para a injectar na pilha, com a ajuda de um pau e ante os indisfarçáveis esgares de repulsa dos formandos. Com oxigénio mais humidade e temperatura adequadas, é certo que os fungos darão o seu melhor nos próximos tempos, de forma prestável, gratuita e a tentar cativar os mais cépticos.
A admirável história dos fungos
Os fungos apanhados na rede
Aceitam-se voluntários para pegar nos fungos
Os fungos não mordem, por isso não custa nada
O último batalhão de fungos tomando de assalto o castelo de resíduos
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