A RUA DAS HORTAS EXISTE MESMO. FICA SITUADA EM MOURA, NO BAIRRO DO SETE E MEIO.
ESTE BLOGUE É O DIÁRIO DE BORDO DA HORTA COMUNITÁRIA AÍ EXISTENTE. INICIALMENTE ASSOCIADA A UM PROJECTO DE FORMAÇÃO PARA PÚBLICOS DESFAVORECIDOS, COMO ESPAÇO DA COMPONENTE TECNOLÓGICA DO CURSO, A HORTA ENCONTRA-SE AGORA NUMA SEGUNDA FASE. NESTE MOMENTO, ACOLHE ALGUNS DOS FORMANDOS QUE MOSTRARAM VONTADE EM PROSSEGUIR A ACTIVIDADE PARA A QUAL FORAM CAPACITADOS E ESTÁ ABERTA A OUTROS INTERESSADOS EM ACEDER AOS RESTANTES TALHÕES DEIXADOS LIVRES. UNS E OUTROS SÃO RESPONSÁVEIS PELA GESTÃO COMUNITÁRIA DA HORTA, MEDIANTE A OBSERVÂNCIA DE UM REGULAMENTO E CONTRATO DE UTILIZAÇÃO. ESTE PROJECTO CONTA COM A ORGANIZAÇÃO DA ADCMOURA EM PARCERIA COM A CÂMARA MUNICIPAL DE MOURA, NÚCLEO LOCAL DE INSERÇÃO DA SEGURANÇA SOCIAL, EQUIPA TÉCNICA DE ACOMPANHAMENTO FAMILIAR PROTOCOLO DE MOURA E CENTRO DE EMPREGO DE MOURA. TAL COMO ATÉ AQUI, ESTE É TAMBÉM O ESPAÇO PARA FALAR DE REGENERAÇÃO URBANA, AGRICULTURA BIOLÓGICA E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E SOLIDÁRIO.

domingo, 18 de dezembro de 2011

Lançar a semente à terra

Museu de Joalharia Contemporânea - Alberto Gordillo ou o lugar perfeito em Moura para acolher uma oficina sobre recolha e conservação de sementes tradicionais, que decorreu também ela sob o signo da...perfeição. Não só pela qualidade das instalações (a propósito, os nossos agradecimentos à Câmara Municipal de Moura pela sua cedência), mas também por todo o simbolismo associado, se pensarmos que as sementes são igualmente jóias, jóias da coroa universais que precisam de protecção permanente, tal como as jóias de um museu, pois delas dependem afinal a nossa e as outras formas de vida, a começar pela das próprias plantas.
Este foi mais ou menos o mote de uma conversa muito interessante (6 horas!) que decorreu na passada sexta-feira, com muitas demonstrações práticas pelo meio a ilustrar os momentos principais, lançada e conduzida de modo admirável pelo José Mariano, da Associação Colher para Semear (http://pt-br.facebook.com/pages/Colher-para-Semear/113164618765566), e que percorreu temas como: Reconhecimento de variedades tradicionais/rústicas: como descobri-las e identificá-las; Processos de recolha de sementes; Reprodução e conservação das sementes; Circuitos de partilha e necessidades de aumento de áreas de cultura; Perigos da perda da biodiversidade agrícola; Protecção das espécies vegetais agrícolas e segurança alimentar.
Em síntese, pretendeu-se chamar a atenção para um conjunto de questões centradas na constatação do seguinte facto: a extinção que se processa em todo o mundo e sob os nossos olhos a um ritmo alucinante e se traduz  na perda irreparável de centenas e centenas de sementes de variedades únicas, situação que compromete não apenas a biodiversidade genética mas também a biodiversidade do abastecimento alimentar. Com efeito, cada um de nós que se abastece em supermercados e noutros espaços comerciais tem que ter consciência de que a quantidade alimentar que inunda as prateleiras e satisfaz aparentemente as necessidades imediatas dos consumidores tem o seu reverso em produtos, falando apenas de legumes e frutos, que se reduzem a meia dúzia de variedades modernas apuradas pela tecnologia, de aspecto uniforme e "são", com possibilidade de se conservarem, ainda que artificialmente, ao longo do ano, com sabores e aromas muito diferentes dos encontrados nas variedades tradicionais e provenientes, boa parte deles, de explorações que distam milhares de quilómetros dos centros de consumo, com os problemas ambientais conhecidos daí resultantes. Esta estratégia, levada a cabo pelas multinacionais do sector agro-alimentar, que conduziu ao triunfo da agricultura industrializada em praticamente todo o mundo, tem subjacente a ideia peregrina, para não dizer perigosa, de que para fazer aumentar a quantidade de alimentos disponíveis e evitar crises de escassez alimentar há que apostar num punhado de sementes resistentes e de alto rendimento, sacrificando com isso a diversidade representada pelas variedades tradicionais, que têm uma longa história para contar, ou seja, com provas  dadas no que se refere à sua adaptação natural, ao longo de milénios, a condições ambientais diversas.  Como seria de calcular, as experiências levadas a cabo em certas regiões de África tornaram evidentes os pés de barro em que assenta esta visão produtivista. Verificou-se aí que as sementes formatadas pela engenharia genética,  quando submetidas a climas e ambientes estranhos e ao contrário do que sucede com as sementes tradicionais que registam maior imunidade fruto de uma longa evolução natural, tornaram-se com o tempo mais vulneráveis a doenças, o que implicou a introdução de uma cada vez maior quantidade de fertilizantes químicos e pesticidas tóxicos, acarretando problemas ambientais acrescidos e ajudando ao endividamento dos pequenos agricultores. Ao mesmo tempo, foram estes agricultores que ficaram, de um momento para o outro, dependentes do fornecimento das sementes importadas, já que são programadas de forma a que as plantas descendentes não possam gerar sementes produtivas. Resta dizer que as sementes tradicionais ou se perderam progressivamente, por deixarem de ir à terra, ou acabaram nas mãos das grandes multinacionais que entretanto as patentearam como se de um património seu se tratasse. 
E como se não bastasse, prepara-se agora a União Europeia, invocando a necessidade de rastrear o percurso dos alimentos e a segurança alimentar, para estabelecer uma directiva "legal" no sentido de impedir que as pessoas que sempre semearam e recolheram, assegurando a sua soberania alimentar, possam continuar a agir dessa maneira, isto é,  a poder utilizar as sementes tradicionais, passadas de geração em geração, e que dadas as suas características constituem um recurso vital sempre que se coloquem ameaças de novas pragas ou mudanças climáticas. Ao contrário do que manda fazer a União Europeia, o importante é saber dispersar o risco para garantir o mais possível de imunidade, o que só se consegue  apostando na conservação de sementes de múltiplas variedades, que por sua vez representam um número diversificado de culturas, ao longo de muitas estações e em variados lugares da Terra. 
É por estes e outros atropelos que, mais do que nunca, se justifica a criação de associações por esse mundo fora com os propósitos da Colher para Semear, ou seja: formar e incentivar os agricultores para que procedam à recolha anual e troca das suas próprias sementes; fomentar o uso de variedades tradicionais em práticas de agricultura biológica, uma vez que estão melhor adaptadas a cada contexto local, diminuindo os problemas fitossanitários; reverter a actual situação de perda contínua de biodiversidade genética agrícola, fomentando a recolha, cultivo e catalogação das variedades tradicionais ainda existentes; reintroduzir o uso de vegetais que caíram em desuso, promovendo uma maior diversidade alimentar e uma culinária mais completa , variada e atractiva.
Para a Colher para Semear não basta guardar as sementes em Bancos de Sementes, como acontece em alguns sítios no mundo, incluindo em Portugal, para assegurar a diversidade genética e o abastecimento alimentar no futuro. É que as sementes só na terra conseguem evoluir, isto é, só germinando ciclicamente aprendem a lidar com os desafios constantes colocados pelo ambiente externo. Fechadas num arquivo ou depósito, estas jóias deixam de aprender, permanecendo num estádio de desenvolvimento que as tornará mais expostas e impreparadas se tiverem de enfrentar, no futuro, condições ambientais externas, certamente bem diferentes das actuais. Para se proteger esta memória acumulada que transportam as sementes tradicionais e para não se perder o seu rasto no mundo, há que descobrir, por exemplo, por esse Portugal fora, quem ainda as tenha e cultive, tornando assim possível a sua partilha e disseminação por mais hortas e quintais, ou seja, aumentando  exponencialmente as possibilidades de êxito desta missão, que poderia muito bem ter o seguinte lema:Temos todos que lançar a semente à terra!

O local da oficina: Museu de Joalharia Contemporânea - Alberto Gordillo


Vem a propósito: uma couve à porta do museu!


O José Mariano é um grande comunicador 


Quem sabe das diferenças entre a fava cornija e a fava algarvia?


Os formandos atentos às explicações
Milho branco de Aveiro, que não tem nada que ver com o milho industrial (repare-se, por exemplo, na cor e na
 disposição irregular das fiadas de grãos). Trata-se de um milho que começa a rarear e que é imprescindível na confecção da tradicional broa

 Mais um momento para tirar dúvidas e observar de perto o espólio de sementes
 
 O espólio de sementes, que conta com preciosidades como o Feijão Sete Semanas (recolhido em Olival, Figueiró dos Vinhos), Feijão Bainha Aucha (Mogadouro), Feijão Canário Preciosa (Casal Pedro, Figueiró dos Vinhos), Melancia Mentes Comprida (Odemira), Beringela Roxa Amarela (Andaluzia), Tomate Coração de Boi (Parada de Cunhos), Chícharo Grado (Odemira), Melão rugoso de Colos (Odemira), Beringela Cacau Laranja (Índia), Alface Carmen (França), Feijão Vermelho Mocho (Bairradas). E faltam ainda as sementes de Feijão Papo de Rola trazidas pelo António Cunha, do Monte do Menir.  




Este é o Feijão Côvado, porque o comprimento da haste mede...um côvado! (antiga unidade de medida equivalente a 0,66 m)

Recolha de sementes de tomate

Recolha de sementes de beringela
 
Feijão Cara de Vaca


Resumindo: esta oficina foi espectacular!



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