A RUA DAS HORTAS EXISTE MESMO. FICA SITUADA EM MOURA, NO BAIRRO DO SETE E MEIO.
ESTE BLOGUE É O DIÁRIO DE BORDO DA HORTA COMUNITÁRIA AÍ EXISTENTE. INICIALMENTE ASSOCIADA A UM PROJECTO DE FORMAÇÃO PARA PÚBLICOS DESFAVORECIDOS, COMO ESPAÇO DA COMPONENTE TECNOLÓGICA DO CURSO, A HORTA ENCONTRA-SE AGORA NUMA SEGUNDA FASE. NESTE MOMENTO, ACOLHE ALGUNS DOS FORMANDOS QUE MOSTRARAM VONTADE EM PROSSEGUIR A ACTIVIDADE PARA A QUAL FORAM CAPACITADOS E ESTÁ ABERTA A OUTROS INTERESSADOS EM ACEDER AOS RESTANTES TALHÕES DEIXADOS LIVRES. UNS E OUTROS SÃO RESPONSÁVEIS PELA GESTÃO COMUNITÁRIA DA HORTA, MEDIANTE A OBSERVÂNCIA DE UM REGULAMENTO E CONTRATO DE UTILIZAÇÃO. ESTE PROJECTO CONTA COM A ORGANIZAÇÃO DA ADCMOURA EM PARCERIA COM A CÂMARA MUNICIPAL DE MOURA, NÚCLEO LOCAL DE INSERÇÃO DA SEGURANÇA SOCIAL, EQUIPA TÉCNICA DE ACOMPANHAMENTO FAMILIAR PROTOCOLO DE MOURA E CENTRO DE EMPREGO DE MOURA. TAL COMO ATÉ AQUI, ESTE É TAMBÉM O ESPAÇO PARA FALAR DE REGENERAÇÃO URBANA, AGRICULTURA BIOLÓGICA E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E SOLIDÁRIO.

terça-feira, 24 de maio de 2016

A Escola do Paraíso

Qual laboratório de experiências e aprendizagens, a Horta Comunitária recebeu, há dias, em duas ocasiões, a visita de sessenta e quatro crianças do Centro Infantil Nossa Senhora do Carmo, entusiasmadas por participarem numa actividade pedagógica diferente, ao ar livre, que decorreu sob o signo das Plantas Aromáticas e Medicinais. Curiosas, traziam muitas perguntas sobre os segredos que se escondem ao longo da álea aromática, um jardim florido por estes dias, onde coabitam cerca de trinta espécies vegetais, entre tomilhos, mentas, salvas, alfazemas, alecrins... Referidas algumas das utilizações alimentares e medicinais de cada uma das plantas, passou-se a outras vantagens menos conhecidas, como, por exemplo, o seu contributo para evitar a perda de solo no talude da horta (controlo da erosão), para atrair insectos auxiliares na polinização e no controlo de pragas ou ainda para fixar outros animais amigos do hortelão, como batráquios, répteis, pequenos mamíferos e aves.
Os pequenos investigadores puderam constatar tudo isto mexendo na terra, abeirando-se das plantas, inalando os seus aromas, apreendendo as suas texturas, apreciando cada detalhe das suas folhas e flores com a ajuda de lupas, descobrindo ninhos de insectos e de aves suspensos nas ramarias ou surpreendendo lagartixas e sapos entre a vegetação mais rasteira. 
No final, depois de espreitarem o tanque com peixes verdadeiros, todos estavam de acordo neste ponto: dá gosto aprender assim!











«Sim, é tempo: abram agora a porta envidraçada e entremos no Jardim. (Mas cautela, não se desfaça em pó.) O Jardim é imenso. Tem árvores descuidadas, vertiginosas, com ramarias quebradas, pendentes, canteiros silvestres, ervas e flores, tudo num abandono maravilhoso, e umas ruazinhas perdidas em curvas, com o cimento gretado e desnivelado, algumas empedradas ou de terra batida. Há uma cisterna - cuidado!, é profunda e enorme: por ela pode-se chegar talvez ao outro-lado-do-mundo. Tem um tampo redondo de tábuas, é como um terraço onde se pode bater com os pés (o que a gente faz sempre que está sozinho), com um postigo quadrado por onde não há o perigo de se cair lá dentro. Por cima, um arco de ferro enferrujado, com roldana e balde. Quando se entreabre o postigo - e é frequente não se poder resistir a trepar sub-repticiamente e espreitar - vê-se lá em baixo o negrume oleoso, onde se espelha um quadrado de céu com uma cabeça: a nossa. Então faz-se «Buh!» - e a cisterna acorda, responde com um ribombo cavernoso e húmido, que dá vontade ao mesmo tempo de fugir e de entrar. Depressa, depressa, ponham a tampa e desçam, que lá vem o marido-da-senhora-mestra!
Correm todos para o baloiço: é uma prancha grossa e polida do uso, suspensa de duas cordas que vêm duma altura desmedida, dentre as ramarias, do infinito, não se sabe donde. (...) 
É sentado nesse balouço que ele gosta de escutar as vozes e olhar as árvores, às vezes de cabeça à banda, ou virada para baixo, para trás, num abandono tranquilo e solitário, a ver um mundo diferente do mundo real.»

José Rodrigues Miguéis, A Escola do Paraíso, Publicações Dom Quixote (1ª edição de bolso), 2003, pp. 48-50.

quarta-feira, 18 de maio de 2016

O feijão-verde proustiano


Hoje comemora-se o dia internacional do fascínio das plantas. Como diria Galileu Galilei: «e pur si muove!». Não apenas a Terra, mas também as plantas, imperceptivelmente. No caso dos feijoeiros que correm na pista de obstáculos do talhão da Filipa, a média é de 4 cm / dia. Nada mau. Na certa, a palma irá para a atleta da pista dois, que, destacadíssima, está prestes a cortar a meta e a bater o record mundial  dos 200 centímetros barreiras. Com este andamento, já não serão precisos dois meses para ouvirmos: «Feijão-verde tenrinho, olha o feijão-verde!».



No apartamento parisiense do Boulevard Haussman, o narrador, o ciumento Marcel, mantém cativa a infiel Albertine. A esta só restam os sons que chegam do exterior. Alguns são dos pregões das vendedeiras que povoam a cidade Luz, o que suscita do narrrador a seguinte confissão à amada:  «Pensar que ainda faltam dois meses para ouvirmos: "Feijão-verde tenrinho, olha o feijão-verde!" Que bem dito: "Feijão tenrinho." Sabe que eu os quero fininhos, muito finos, a escorrer vinagrete, nem parece que os comemos, são frescos como o orvalho.»  



Marcel Proust, Em Busca do Tempo Perdido, vol. 5 A Prisioneira, tradução (insuperável!) de Pedro Tamen, Relógio de Água, 2004, p. 121.