A RUA DAS HORTAS EXISTE MESMO. FICA SITUADA EM MOURA, NO BAIRRO DO SETE E MEIO.
ESTE BLOGUE É O DIÁRIO DE BORDO DA HORTA COMUNITÁRIA AÍ EXISTENTE. INICIALMENTE ASSOCIADA A UM PROJECTO DE FORMAÇÃO PARA PÚBLICOS DESFAVORECIDOS, COMO ESPAÇO DA COMPONENTE TECNOLÓGICA DO CURSO, A HORTA ENCONTRA-SE AGORA NUMA SEGUNDA FASE. NESTE MOMENTO, ACOLHE ALGUNS DOS FORMANDOS QUE MOSTRARAM VONTADE EM PROSSEGUIR A ACTIVIDADE PARA A QUAL FORAM CAPACITADOS E ESTÁ ABERTA A OUTROS INTERESSADOS EM ACEDER AOS RESTANTES TALHÕES DEIXADOS LIVRES. UNS E OUTROS SÃO RESPONSÁVEIS PELA GESTÃO COMUNITÁRIA DA HORTA, MEDIANTE A OBSERVÂNCIA DE UM REGULAMENTO E CONTRATO DE UTILIZAÇÃO. ESTE PROJECTO CONTA COM A ORGANIZAÇÃO DA ADCMOURA EM PARCERIA COM A CÂMARA MUNICIPAL DE MOURA, NÚCLEO LOCAL DE INSERÇÃO DA SEGURANÇA SOCIAL, EQUIPA TÉCNICA DE ACOMPANHAMENTO FAMILIAR PROTOCOLO DE MOURA E CENTRO DE EMPREGO DE MOURA. TAL COMO ATÉ AQUI, ESTE É TAMBÉM O ESPAÇO PARA FALAR DE REGENERAÇÃO URBANA, AGRICULTURA BIOLÓGICA E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E SOLIDÁRIO.

quarta-feira, 21 de março de 2012

Dia mundial da árvore e da poesia

Hoje, em que se comemora simultaneamente o dia mundial da árvore e o dia mundial da poesia, começamos com um belo poema do grande Alexandre O'Neill, dedicado a uma oliveira, a todas as oliveiras e árvores sem idade.

A uma oliveira

Muito antes de Os Lusíadas diz-se que já aqui estavas.

Pré-camoniana,
sazão a sazão,
foste varejada séculos a fio.

O pinho viajou.
Tu ficaste.

Ao som bárbaro de um rádio de pilhas,
desdobram toalhas
na tua sombra rala.

Alexandre O'Neill, Poesias Completas, Assírio e Alvim, 3ª ed., 2002, p. 354.

Aproveitando a boleia, este post pretende dar conta de uma iniciativa dedicado às oliveiras milenares de Moura, que irá decorrer no próximo dia 13 de Maio, no âmbito da XII Olivomoura - Feira Nacional de Olivicultura, e que conta com a ADCMoura como uma das entidades organizadoras. 
Reza assim o texto promocional, também disponível em
http://www.adcmoura.pt/html/percurso_5.html


PERCURSO  5
a rota das oliveiras milenares
Moura | 13 maio 2012

Moura é terra de fino azeite e oliveiras antigas. O clima e os calcários lacustres hão-de ter a sua quota-parte de influência neste estatuto. O contributo de gerações de agricultores também. Entre os primeiros, contam-se os povos castrejos das idades do Bronze e do Ferro. Depois os fenícios e romanos, que trouxeram os conhecimentos de apuramento de variedades a partir dos zambujeiros locais. E finalmente os árabes, que aprofundaram o cultivo da oliveira, em maior escala. Assim surgiram as primeiras oliveiras produtoras de azeite da região. Algumas destas árvores monumentais, que iremos conhecer durante o nosso passeio, de troncos amplos e retorcidos, contemporâneas ou mesmo anteriores à nacionalidade portuguesa, resistem ainda no termo de Moura, embora com o futuro ensombrado pelo avanço do olival intensivo e superintensivo. Sem protecção pública, muitas delas acabarão, na melhor das hipóteses, por ser vendidas e transferidas para locais distantes, perdendo-se assim um património inestimável (natural, cultural, agrícola, cénico e genético). Para ajudar a perceber melhor os contornos deste problema e a identificar possíveis estratégias para o resolver ou minimizar, contamos com José Pedro Fernandes de Oliveira, agrónomo, defensor desta causa, proprietário de um olival muito antigo em Serpa e guia do nosso percurso.

DISTÂNCIA_ 10 Km | PERCURSO Circular | COTA MÁX_ 204 m | COTA MIN_ 92 m


LOCAL E HORÁRIO DE PARTIDA
Jardim das Oliveiras
R. João de Deus, Moura . 11h


ORGANIZAÇÃO
Associação para o Desenvolvimento do Concelho de Moura (ADCMoura)
Câmara Municipal de Moura
Centro de Estudos e Promoção do Azeite (CEPAAL)


GUIA
José Pedro Fernandes de Oliveira _ tem contribuído para que um olival com árvores centenárias e milenares ainda resista nos arredores de Serpa. 
Com formação em Agronomia e ex-professor da Escola Profissional de Desenvolvimento Rural de Serpa, está ligado às oliveiras desde sempre, ajudando o seu pai a plantá-las e a recuperar o património familiar de árvores seculares. 
Recuperou um conjunto de oliveiras, dispersas por 15 hectares, com um diâmetro de caule ressequido que, nalguns casos, ultrapassam os 8,5 metros e mantém as suas árvores junto ao IP 8, a caminho de Vila Verde de Ficalho e a meia dúzia de quilómetros de Serpa. 
Para superar as dificuldades financeiras que a manutenção do histórico olival implica é forçado a vender a azeitona a uma cooperativa, perdendo-se, segundo tem defendido, a qualidade única da sua produção nos lotes resultantes da sua mistura com a azeitona corrente. 
Antes de iniciar o processo de recuperação das árvores seculares, José Oliveira nunca tinha ultrapassado as 20 toneladas de azeitona numa colheita. Depois de o ter renovado, tratando as copas de maneira a ficarem mais próximas do chão, tendo em vista o seu varejamento mecânico, nunca mais ficaram abaixo das 30 toneladas. Em 2010, com o seu esforço, atingiu as 84 toneladas. 
Tem defendido que deve haver mais apoios e programas para a sua preservação, evitando-se o abandono ou substituição por olivais modernos. Acalenta assim a esperança de que os seus descendentes ou futuros proprietários "não destruam" um olival que é contemporâneo ou até anterior à nacionalidade portuguesa, e que conseguiu chegar aos dias de hoje muito pela acção preponderante de José Oliveira.
Pela defesa desta causa, em 2011 foi-lhe atribuída uma menção honrosa no âmbito do Prémio Nacional de Ambiente.

Ver mais informação em


PASSEIO GRATUITO (INTEGRADO NA XII EDIÇÃO DA OLIVOMOURA)



Imagens de algumas das oliveiras que iremos visitar durante o passeio.













Uma espécie de adiafa

Celebrámos a conclusão do nosso curso de formação com um lauto almoço confeccionado pelos próprios formandos e servido em plena horta. Tratou-se de uma espécie de adiafa, termo utilizado aqui no Alentejo para designar o ritual de celebração alimentar e de confraternização associado à conclusão dos trabalhos do campo, após o ciclo agrícola. Para a ocasião festiva, escolhemos receitas à base de produtos das hortas e convidámos alguns amigos a juntarem-se à nossa mesa, que ficaram extasiados com a diversidade e qualidade da oferta gastronómica.
As iguarias que fizeram as delícias de todos os comensais, sem excepção, divididas por entradas, pratos principais e sobremesas, dão pelos nomes apetitosos de:  favas salteadas com enchidos, cenouras à algarvia, batatas de alho e azeite, pesto de manjericão, tomate cherry recheado, caldo verde salteado, alho francês à Brás, caldo de espinafres com queijo e ovos, pêras cozidas com alfazema, laranjas com azeite e flor de sal, maçãs assadas com passas.
Porque a lista é grande, optámos por transcrever apenas uma das receitas, a do caldo de espinafres, que reza assim: 
Ingredientes: 1 molho de espinafres; 1 cebola grande; 2 cabeças de alho; 5 batatas médias; 2 queijos frescos; 4 ovos; azeite; louro; sal.
Modo de preparação: Cebola e metade dos alhos bem picadinhos a refogar no azeite com o louro. Deitar os espinafres e as batatas cortadas em rodelas grossas. Temperar com sal. Mexer bem durante 2 a 3 minutos. Depois dos espinafres perderem metade do seu volume, deitar então a água e deixar cozinhar em lume médio durante 30 minutos. Acrescentar os queijos cortados em quartos ou oitavos e cozinhar durante mais 5 minutos. Finalmente, deitar os ovos um a um para escalfar. Pode ser servido acompanhado de cubos de pão.
Durante a refeição, fomos brindados com uma excelente notícia: a confirmação de que, pelo menos, metade dos formandos quer continuar a produzir nos seus talhões, assegurando a continuidade da horta e do processo de inserção social e profissional que norteou este projecto formativo, depois da necessária aceitação do regulamento e assinatura do contrato  que se encontram em fase de ultimação. Quanto aos talhões livres, serão objecto de concurso público, podendo candidatar-se todas as pessoas que revelem motivação e gosto em integrar uma horta comunitária, embora possa ser dada prioridade a candidatos em situação de desfavorecimento social e económico.   
Boas notícias, portanto, para o futuro da nossa horta. 
  


O início da refeição.


O que escolher? O melhor é provar de tudo.


Confraternização e parabéns aos cozinheiros.


Vamos lá provar estas cenouras à algarvia, com óptimo aspecto.


Em primeiro plano, maçãs assadas  com passas; em segundo plano, alho-francês à Brás.


Não há palavras para este caldo de espinafres com queijos frescos e ovos. Fiquemo-nos então pela degustação.


Estão muitos boas estas pêras cozidas com alfazema. Idem, idem para as laranjas com azeite e flor de sal. 


Em cima, da esquerda para a direita: o Armando, a Ana Paula, a Emília, a Judite, o Jorge e o Hugo. Em baixo, no mesmo sentido: a profª Cláudia, o Jonas, a Dina e a Isabel.




A adiafa
"Na altura da tirada da cortiça, a casa dava sempre uma adiafa aos tiradores da cortiça. Havia borrego, vinho e pão. E a festa era ao pé das pilhas da cortiça".  (António Vilela)
"Depois, no fim da mercadoria estar toda carregada (a cortiça), faziam aquelas adiafas. Os patrões é que davam então um borrego para comemorar o fim do trabalho. É uma festa que eles fazem de comer e beber e paródia que a malta fazia". (António Oliveira)

in VALAGÃO, Maria Manuel (org.), Natureza, Gastronomia & Lazer - plantas silvestres alimentares e ervas aromáticas condimentares, edições Colibri, 2009, p. 55.

quinta-feira, 15 de março de 2012

Pode ser que chova

A terra apresenta-se seca, fissurada, quase esquelética. Não seria novidade por estas paragens se estivéssemos em Julho ou Agosto. Acontece que chegámos a meados de Março sem pinga de chuva nos últimos três meses e com pouca ou nenhuma esperança de que a situação de seca se altere significativamente nos próximos tempos, apesar dos serviços de meteorologia nos quererem adoçar a boca com alguns chuviscos prometidos para este fim-de-semana. Neste momento a seca subiu à categoria de "extrema" em 30 por cento do território continental. A nossa horta só não faz parte desta percentagem porque conta, felizmente, com um oásis e um plano de rega de emergência accionado há já algumas semanas, de que fazem parte regadores, baldes e muita força braçal, isto enquanto não estiver a funcionar o sistema automático. Sem a pequena bolsa de frescura que é o seu tanque, rasante de água de nascente, e a situação seria de calamidade para as nossas culturas como sucede por esses campos fora, de norte a sul, onde já só as pedras conseguem medrar. Dizem que a culpada pela situação que alastra a toda a Península Ibérica chama-se NAO (North Atlantic oscillation). É por causa dela, da oscilação, que os ventos de oeste e as superfícies frontais responsáveis pela chuva teimam em deslocar-se para latitudes mais setentrionais, cedendo o seu lugar aos anticiclones de bloqueio, que não arredam pé por cima das nossas cabeças. Tudo leva a crer que este cenário tenderá a repetir-se com maior frequência no futuro, com aumento da temperatura média da atmosfera, diminuição da precipitação e registo de fenómenos extremos de que as secas são exemplo. Sabemos como chegámos aqui, mas não sabemos como vamos sair. Espera-se que um sobressalto cívico global ajude a encontrar e a percorrer o caminho, o do desenvolvimento sustentável. Entretanto, pode ser que chova. Se isso acontecer, é menos uma crise em que pensar. Até à próxima seca. 

Vem a propósito desta situação de seca, evocar uma passagem sugestiva de um dos contos de Juan Rulfo, o mestre do realismo mágico: 

"Faustino diz:
-Pode ser que chova.
Todos levantamos a cara e olhamos uma nuvem negra e pesada que passa por cima das nossas cabeças. E pensamos: «Pode ser que sim.»
Não dizemos o que pensamos. Há bastante tempo que se nos acabou a vontade de falar. Acabou-se com o calor. Uma pessoa conversaria com muito gosto noutro sítio, mas aqui dá muito trabalho. Uma pessoa põe-se a conversar aqui e as palavras aquecem na boca com o calor de lá de fora, e secam-se-nos na língua até nos deixarem sem fôlego.
Aqui as coisas são assim. Por isso a ninguém lhe dá para conversar.
Cai uma gota de água, grande, gorda, fazendo um buraco na terra e deixando um empaste como de uma cuspidela. Cai sozinha. Nós esperamos que continuem a cair mais. Não chove. Agora, se olharmos para o céu, vê-se a nuvem aguaceira correndo para bem longe, cheia de pressa. O vento que vem da aldeia arrima-se-lhe empurrando-a contra as sombras azuis dos cerros. E a gota caída por engano é comida pela terra, que a faz desaparecer na sua sede.
Quem diabo terá feito esta planície tão grande? Para que é que serve, hã?"

Juan Rulfo, "Deram-nos a terra" in A Planície em Chamas (El llano em llamas), tradução Ana Santos, Cavalo de Ferro editores, 2003.


Um tomilho e uma manjerona à espera do chuveiro dos regadores


O Jonas sachando a sua leira de favas 


Uma alface do talhão do Armando, que já dá para uma salada


Ervilhas à compita com alfaces e couves


Sachar, mondar, regar


O Hugo já perdeu a conta aos regadores de água


O Joaquim e as suas alfaces consoladas