A RUA DAS HORTAS EXISTE MESMO. FICA SITUADA EM MOURA, NO BAIRRO DO SETE E MEIO.
ESTE BLOGUE É O DIÁRIO DE BORDO DA HORTA COMUNITÁRIA AÍ EXISTENTE. INICIALMENTE ASSOCIADA A UM PROJECTO DE FORMAÇÃO PARA PÚBLICOS DESFAVORECIDOS, COMO ESPAÇO DA COMPONENTE TECNOLÓGICA DO CURSO, A HORTA ENCONTRA-SE AGORA NUMA SEGUNDA FASE. NESTE MOMENTO, ACOLHE ALGUNS DOS FORMANDOS QUE MOSTRARAM VONTADE EM PROSSEGUIR A ACTIVIDADE PARA A QUAL FORAM CAPACITADOS E ESTÁ ABERTA A OUTROS INTERESSADOS EM ACEDER AOS RESTANTES TALHÕES DEIXADOS LIVRES. UNS E OUTROS SÃO RESPONSÁVEIS PELA GESTÃO COMUNITÁRIA DA HORTA, MEDIANTE A OBSERVÂNCIA DE UM REGULAMENTO E CONTRATO DE UTILIZAÇÃO. ESTE PROJECTO CONTA COM A ORGANIZAÇÃO DA ADCMOURA EM PARCERIA COM A CÂMARA MUNICIPAL DE MOURA, NÚCLEO LOCAL DE INSERÇÃO DA SEGURANÇA SOCIAL, EQUIPA TÉCNICA DE ACOMPANHAMENTO FAMILIAR PROTOCOLO DE MOURA E CENTRO DE EMPREGO DE MOURA. TAL COMO ATÉ AQUI, ESTE É TAMBÉM O ESPAÇO PARA FALAR DE REGENERAÇÃO URBANA, AGRICULTURA BIOLÓGICA E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E SOLIDÁRIO.

segunda-feira, 30 de abril de 2012

Ah, destas favas, sim!


A fava é um daqueles legumes com o condão de dividir profundamente os "garfos" deste país, só comparável ao extremismo de posições suscitado pelo feijão frade: ou se morre de amores ou se abomina, apenas de ouvir falar. Para estes segundos, sem o gosto devidamente formado ou então professos de uma qualquer seita pitagórica, que defende a abstinência em matéria de consumo de favas, vai o pratinho que se segue inspirado no viçoso faval da nossa horta e na cultura gastronómica dos alentejanos, mais partidários de Epicuro, o tal que vivia de pão, favas e água.
Escolhem-se então as vagens (também chamadas de taludes ou canudos) mais tenras, com os grãos de leite, ou seja, ainda em formação. Descascam-se dois terços da porção escolhida e partem-se as vagens restantes em pedaços sem desalojar os grãos. Num como noutro caso, deve-se, antecipadamente, retirar o fio lateral dos taludes. Junta-se a primeira quantidade de vagens e grãos a um prévio refogado de cebola cortada e alguns alhos picados, com um fio de azeite como gordura. Tempera-se com sal e pimenta, cobre-se de água e deixa-se cozer durante uns dez minutos. Passa-se então o cozinhado com varinha mágica até obter-se um puré aveludado e lustroso, que cheira que consola. Está na altura de deitar os pedaços de vagens sobrantes e deixar cozer por mais uns minutos. Como opção, ficam bem uns ovos escalfados a acompanhar. Antes de servir, aromatizar com hortelã ou coentros.
Encete-se agora uma garrafa de bom vinho tinto e deixemo-nos levar pela inevitabilidade das coisas boas da vida, tal como Jacinto experimentou na sua chegada a Tormes.

"Foi ele (Jacinto) que rapou avaramente a sopeira. E já espreitava a porta, esperando a portadora dos pitéus, a rija moça de peitos trementes, que enfim surgiu, mais esbraseada, abalando o sobrado - e pousou sobre a mesa uma travessa a transbordar de arroz com favas. Que desconsolo! Jacinto, em Paris, sempre abominara favas!...Tentou todavia uma garfada tímida - e de novo aqueles seus olhos, que o pessimismo enevoara, luziram, procurando os meus (Zé Fernandes). Outra larga garfada, concentrada, com uma lentidão de frade que se regala. Depois um brado: 
-Óptimo!...Ah, destas favas, sim! Oh que fava! Que delícia! (...)
-Deste arroz com fava nem em Paris, Melchior amigo!
O homem óptimo sorria, inteiramente desanuviado:
-Pois é cá a comidinha dos moços da quinta! E cada pratada, que até Suas Incelências se riam...Mas agora, aqui, o sr. D. jacinto, também vai engordar e enrijar!"

Eça de Queiroz, A Cidade e as Serras (com correcções de Ramalho Ortigão), pp.143-144.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Rega melhorada e abençoada

No outro dia, juntaram-se os três prestimosos vizinhos à esquina, ao fundo da rua das Hortas, a dar palpites sobre a melhor maneira de instalar o sistema de rega na horta. Ao cabo de largos minutos a propor e a impugnar, o Zé Barão decidiu levar a sua avante, com a legitimidade de quem empunha uma chave inglesa, sob os olhares tolerantes do irmão, o Chico Barão, e do dono da ferramenta, o Zé Toino. Os dois resolveram anuir dessa vez e guardar-se para o dia seguinte, chamando a si a condução do restante da operação: colocação de Tê com duas torneiras à saída da válvula de cunha do tanque e entrada das mangueiras nas junções de latão, após adição de calor para as tornar mais dúcteis. Com este arsenal instalado, é possível não apenas regar a "tábua" do vizinho Chico Barão, como sucedia até aqui, mas também a "tábua" inferior da nossa horta comunitária, com rapidez e comodidade como convém, evitando-se o peso de regadores e correspondentes dores lombares. Por regar, com tubo verde carioca, assim se designa a vulgar mangueira, fica a parcela superior da horta, cuja cota supera a do tanque. Apesar do desnível, nada que uma pequena bomba de rega não consiga resolver. Nessa altura pensaremos também num modelo mais sustentável de rega, de tipo gota-a-gota. É nesta perspectiva de melhoria que se concentram a partir de agora os nossos esforços. Um último apontamento para lançar esta pergunta a quem de direito: ora por que carga de água haveria de começar a chover, logo nesse dia de instalação do sistema rega, e ainda não tínhamos terminado a tarefa, se há 169 dias não caía uma pinga de água por estas paragens?    


Juntaram-se os três à esquina: Chico Barão (à esquerda), Zé Toino (ao centro) e Zé Barão (à direita)


Antes da intervenção: válvula de cunha à saída do tanque


Desaparafusar a abraçadeira e retirar a mangueira da válvula


Colocação do Tê com as duas torneiras de esfera e adição de calor para facilitar a junção das mangueiras


Último esforço para as mangueiras entrarem nas junções


O Tê devidamente instalado: a mangueira que serve a nossa horta é a de baixo, ligada a uma união de redução de 3/4


Uma serpente desenrolada nos seus 60 metros de comprimento e 19 mm de diâmetro, com o curioso nome técnico de "tubo verde carioca"


Agora sim! - exclamam em linguagem vegetal os nossos legumes


Uma chuva benta (como convém) no baptismo do sistema de rega

quarta-feira, 11 de abril de 2012

A nossa alegre casinha das ferramentas

Pensávamos nós que seria em menos de um fósforo, a montagem do abrigo para a alfaiaria agrícola da horta. Puro engano. Como se não soubéssemos de antemão que quem opta pelo "faça você mesmo" acaba, mais cedo ou mais tarde, por se meter em trabalhos. Foi o que aconteceu, em sentido literal e metafórico, que neste caso vem dar no mesmo. Entre recorrer ao folheto de instruções (leia-se carta de marear) e ao improviso da navegação à vista, entre desmanchar e refazer, entre tentar, errar e por fim acertar passaram-se quatro penosas horas e algumas bolhas nas mãos, o que dá a dimensão exacta do feito alcançado. Mais ainda se juntarmos o facto de, no final da empreitada e contra o que é costume, não haver lugar a peças fora do lugar e/ou remanescentes. Convenhamos que é obra! Outro consolo foi contar com um pronto-socorro chamado vizinho Aquilino, que, num exemplo de solidariedade para com o próximo, emprestou um canivete, uma parafusadora sem fio e uma gambiarra, sem os quais tudo teria sido mais difícil. Enfim, encaixadas e parafusadas as paredes e o telhado, lá se abriu finalmente a porta, já a lua espreitava sobre os telhados, para deixar passar os novos inquilinos desse T0 do Portugal dos Pequenitos, a saber: carrinho de mão, enxadas, pás, ancinhos, forquilhas, sachos, caixas e tabuleiros alveolares incluídos. Em suma, a horta conta agora com um novo equipamento, agradável à vista e bem integrado na paisagem envolvente: a nossa alegre casinha das ferramentas. 


A nossa alegre casinha


O recheio


A casinha mirando-se no tanque 

Acerca dos trastes que constam do novo equipamento, veja-se a sua descrição em José da Silva Picão, Através dos campos - usos e costumes agrícolo-alentejanos:

"Ancinhos - Utensílios de madeira uns e outros de ferro forjado ou fundido, de diversas dimensões, em feitio de pente, com maior ou menor número de dentes. Empregam-se nas debulhas dos cereais, principalmente nas eiras em que se trabalha pelos processos antigos, já para arrastar a palha do solo, já na limpeza do grão, extraindo-lhe os cachos e vários corpos estranhos."

"Enxadas - Ferramentas de ferro, largas e espalmadas, de cabo comprido de madeira, com que se cavam as terras para batatas, melanciais, vinhedos, etc. Adoptam-se de dois feitios: rasas ou raseiras, e pontiagudas ou de bicos. As primeiras servem com vantagem no terrenos arenosos, de fabrico fácil. As segundas usam-se nas terras argilosas e em outras que ofereçam resistência."

"Forquilhas - (...) Para as remoções de estrumes e palhiços adoptam-se forquilhas de ferro, de diferentes modelos e procedências."

"Pás - (...) Fora das fainas das eiras e da baldeação de cereais, empregam-se as pás de ferro inglesas."

"Sachos - Posto que figurem no ferramental de uma lavoura, é sempre em pequena quantidade. O seu maior emprego é nas mondas e sachas, mas aí, por costume antiquíssimo, são as próprias mondadeiras que os fornecem."