A RUA DAS HORTAS EXISTE MESMO. FICA SITUADA EM MOURA, NO BAIRRO DO SETE E MEIO.
ESTE BLOGUE É O DIÁRIO DE BORDO DA HORTA COMUNITÁRIA AÍ EXISTENTE. INICIALMENTE ASSOCIADA A UM PROJECTO DE FORMAÇÃO PARA PÚBLICOS DESFAVORECIDOS, COMO ESPAÇO DA COMPONENTE TECNOLÓGICA DO CURSO, A HORTA ENCONTRA-SE AGORA NUMA SEGUNDA FASE. NESTE MOMENTO, ACOLHE ALGUNS DOS FORMANDOS QUE MOSTRARAM VONTADE EM PROSSEGUIR A ACTIVIDADE PARA A QUAL FORAM CAPACITADOS E ESTÁ ABERTA A OUTROS INTERESSADOS EM ACEDER AOS RESTANTES TALHÕES DEIXADOS LIVRES. UNS E OUTROS SÃO RESPONSÁVEIS PELA GESTÃO COMUNITÁRIA DA HORTA, MEDIANTE A OBSERVÂNCIA DE UM REGULAMENTO E CONTRATO DE UTILIZAÇÃO. ESTE PROJECTO CONTA COM A ORGANIZAÇÃO DA ADCMOURA EM PARCERIA COM A CÂMARA MUNICIPAL DE MOURA, NÚCLEO LOCAL DE INSERÇÃO DA SEGURANÇA SOCIAL, EQUIPA TÉCNICA DE ACOMPANHAMENTO FAMILIAR PROTOCOLO DE MOURA E CENTRO DE EMPREGO DE MOURA. TAL COMO ATÉ AQUI, ESTE É TAMBÉM O ESPAÇO PARA FALAR DE REGENERAÇÃO URBANA, AGRICULTURA BIOLÓGICA E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E SOLIDÁRIO.

quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Cebolas de Agosto

Este ano, na última semana de Janeiro, prepararam-se pequenas parcelas da horta para semear cebolas serôdias. Sementeira feita a lanço, à razão de dez gramas de semente por cada metro quadrado de terra, que germinou passadas três semanas, formando retalhos densos e verdes de cebolinho a necessitarem de monda constante.
Em Abril, transplantaram-se os cebolinhos, já com um bom palmo de altura, para caldeiras definitivas. Plantação à linha, com um espaço de cerca de dez centímetros entre rebentos e uma profundidade "quase superficial".
Muitas sachas, mondas e regas depois, eis-nos chegados aqui, a Agosto, o mês da colheita das cebolas valencianas, com os bolbos feitos a despontar da terra. Farta colheita, por sinal, que deu e dará para todos os gaspachos da estação e ainda para prover as despensas dos nossos utilizadores, com que contam para a travessia do resto do ano.   

Foi há quarenta anos. Em Janeiro de 1976, um sociólogo inglês, Robin Jenkins de seu nome, chegava à aldeia de Alto, nas encostas da serra de Monchique, «numa carripana com dezoito anos» para «se familiarizar com a agricultura numa situação revolucionária», ou melhor, quando a «contra-revolução não cessava de progredir desde há dois meses». Acabaria por ficar até Setembro, tempo durante o qual cultivou, com a sua conterrânea Sheila Young, que aí vivia há dois anos, alguns socalcos arrendados. Sobraram-lhe, por isso, tempo e motivos para registar em livro, de forma impressiva, os derradeiros momentos do quotidiano comunitário dos camponeses de Alto ligado à agricultura de subsistência em equilíbrio com a natureza, antes da sua total dissolução motivada, segundo o autor, pela chegada, em 1951, de uma estrada alcatroada. Pretexto para falar de permanências e mudanças, de tensões contraditórias em desenvolvimento, resultantes do confronto entre estes dois mundos: o velho mundo, da economia de auto-suficiência, e o novo mundo, do "exterior", marcado pela «economia capitalista generalizada». Há também um capítulo sobre o «ano agrícola em Alto», ou sobre o ciclo anual do trabalho, em que as cebolas, a par das batatas, têm estatuto de produto imprescindível no regime alimentar e na economia de base autárcica.

«Agosto

A principal tarefa deste mês é a colheita das cebolas. Ao fim de algumas semanas os bolbos aumentam repentinamente, até cada um ficar a tocar o do lado. As folhas começam a amarelecer e pára-se então a rega, deixando-as a secar durante algumas semanas. Em seguida o cebolal é ligeiramente regado para amolecer a terra; no dia seguinte retiram-se as cebolas que se deixam de lado para as raízes secarem e mirrarem. Daí a um semana estão prontas para serem entrançadas em résteas. O melhor é fazer isto de manhã, quando o orvalho ainda está fresco, de modo a que os caules não fiquem demasiado secos e quebradiços. Têm de ter um grau de humidade exacto - se estiverem excessivamente secos partem-se e se estiverem demasiado húmidos as cebolas caem quando os pés secam. Fazem-se as résteas como uma trança, sendo necessários vários dias para todo este processo estar terminado. São então carregadas por burros até ao celeiro onde ficam penduradas nas vigas. Em Agosto de 1976 as cebolas só custavam 50 escudos a arroba, mas no fim do ano o seu preço aumentou para 120 escudos. Em Abril é frequente atingirem os 200 escudos. No entanto, não há grande vantagem em esperar muito tempo para as vender, pois vão secando lentamente e perdem peso - cerca de 30 % em seis meses. Umas apodrecem; outras grelam e todo o peso vai para os rebentos verdes. No fim da Primavera de 1976, o Elói e a Eulália esperavam fazer muito dinheiro com a venda das cebolas do ano anterior. Tinham-nas armazenado muito bem, nas vigas da forja onde nunca havia humidade e fazia calor. Mas esperaram demasiado e em Maio as primeiras cebolas do Algarve já se encontravam à venda no mercado. Acabaram por conseguir 45 escudos por arroba, tendo visto os preços aumentar de 70 escudos, em Agosto do ano anterior, para 130 escudos em Março e depois descerem de novo.»

Robin Jenkins, Morte de uma aldeia portuguesa (originalmente The Road to Alto, 1979), Editorial Querco, Lisboa, 1983, pp. 55-56.