A RUA DAS HORTAS EXISTE MESMO. FICA SITUADA EM MOURA, NO BAIRRO DO SETE E MEIO.
ESTE BLOGUE É O DIÁRIO DE BORDO DA HORTA COMUNITÁRIA AÍ EXISTENTE. INICIALMENTE ASSOCIADA A UM PROJECTO DE FORMAÇÃO PARA PÚBLICOS DESFAVORECIDOS, COMO ESPAÇO DA COMPONENTE TECNOLÓGICA DO CURSO, A HORTA ENCONTRA-SE AGORA NUMA SEGUNDA FASE. NESTE MOMENTO, ACOLHE ALGUNS DOS FORMANDOS QUE MOSTRARAM VONTADE EM PROSSEGUIR A ACTIVIDADE PARA A QUAL FORAM CAPACITADOS E ESTÁ ABERTA A OUTROS INTERESSADOS EM ACEDER AOS RESTANTES TALHÕES DEIXADOS LIVRES. UNS E OUTROS SÃO RESPONSÁVEIS PELA GESTÃO COMUNITÁRIA DA HORTA, MEDIANTE A OBSERVÂNCIA DE UM REGULAMENTO E CONTRATO DE UTILIZAÇÃO. ESTE PROJECTO CONTA COM A ORGANIZAÇÃO DA ADCMOURA EM PARCERIA COM A CÂMARA MUNICIPAL DE MOURA, NÚCLEO LOCAL DE INSERÇÃO DA SEGURANÇA SOCIAL, EQUIPA TÉCNICA DE ACOMPANHAMENTO FAMILIAR PROTOCOLO DE MOURA E CENTRO DE EMPREGO DE MOURA. TAL COMO ATÉ AQUI, ESTE É TAMBÉM O ESPAÇO PARA FALAR DE REGENERAÇÃO URBANA, AGRICULTURA BIOLÓGICA E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E SOLIDÁRIO.

segunda-feira, 11 de julho de 2016

O tanque de rega

O ritual repete-se. Manda o guia de utilização da horta que, em Julho, de três em três anos, se esvazie e limpe o tanque de rega. Ontem, entre as 5.30 e as 10.30, com um ano de atraso, cumpriram a tarefa o Zé Maria, o Jorge Caraça, o António Machado, o Aquilino (júnior) e o autor do blogue. Armados de espátulas, enxadas, pás e baldes, sem esquecer os camaroeiros! para facilitar a pescaria dos dezoito barbos e carpas que aguardaram no exterior do tanque, em bidões de plástico, a renovação da água. Cinco horas muito bem passadas em animado convívio, com anedotas bem temperadas, experiências de guerra vividas na primeira pessoa nas províncias ultramarinas de Niassa e Cabo Delgado e memórias dos tempos em que o tanque servia para lavar a roupa, refrescar os corpos nos dias quentes de Verão e acoitar pares de namorados cheios de sede. Em 2019, o tanque espera-nos de novo.  

«O tanque, ao longe, no meio dos salgueiros, parecia de prata; cheirava a fresco. O peito dilatava-se-lhe de satisfação. Deitava-se ao comprido sobre o rebordo de pedras, reclinava a cabecita morena sobre o braço estendido; a mão, pendida, num gesto quase sensual, afagava a água, que se abria tépida e a envolvia de doçura. E se ele descalçasse as botas e arregaçasse os calções? (...) A água fulge chapeada de claridade. Dum salto, atira-se à água. Os olhos fecham-se-lhe de voluptuosidade. Há na curva das fartas pestanas escuras descidas sobre os olhos qualquer coisa de sensualidade dum corpo que mãos suaves de mulher acariciassem...A água faz um gluglu indolente e melodioso e vai espraiar-se em pequeninas vagas no rebordo de pedra. Um melro, quase azul à força de ser negro, espreita malicioso o camarada, por entre os ramos dos salgueiros, dum verde mais intenso, mais cru na tarde que sobe resplandecente. E o pequeno nada, chapinha, mergulha, estira-se, patinha como um deus das águas, ébrio de vida moça e livre, sob a carícia do sol, que lhe morde a carne morena coberta de pequeninas gotas irisadas.»


Florbela Espanca, "O inventor" in As máscaras do destino, 5ª edição, Livraria Bertrand, 1989.