A RUA DAS HORTAS EXISTE MESMO. FICA SITUADA EM MOURA, NO BAIRRO DO SETE E MEIO.
ESTE BLOGUE É O DIÁRIO DE BORDO DA HORTA COMUNITÁRIA AÍ EXISTENTE. INICIALMENTE ASSOCIADA A UM PROJECTO DE FORMAÇÃO PARA PÚBLICOS DESFAVORECIDOS, COMO ESPAÇO DA COMPONENTE TECNOLÓGICA DO CURSO, A HORTA ENCONTRA-SE AGORA NUMA SEGUNDA FASE. NESTE MOMENTO, ACOLHE ALGUNS DOS FORMANDOS QUE MOSTRARAM VONTADE EM PROSSEGUIR A ACTIVIDADE PARA A QUAL FORAM CAPACITADOS E ESTÁ ABERTA A OUTROS INTERESSADOS EM ACEDER AOS RESTANTES TALHÕES DEIXADOS LIVRES. UNS E OUTROS SÃO RESPONSÁVEIS PELA GESTÃO COMUNITÁRIA DA HORTA, MEDIANTE A OBSERVÂNCIA DE UM REGULAMENTO E CONTRATO DE UTILIZAÇÃO. ESTE PROJECTO CONTA COM A ORGANIZAÇÃO DA ADCMOURA EM PARCERIA COM A CÂMARA MUNICIPAL DE MOURA, NÚCLEO LOCAL DE INSERÇÃO DA SEGURANÇA SOCIAL, EQUIPA TÉCNICA DE ACOMPANHAMENTO FAMILIAR PROTOCOLO DE MOURA E CENTRO DE EMPREGO DE MOURA. TAL COMO ATÉ AQUI, ESTE É TAMBÉM O ESPAÇO PARA FALAR DE REGENERAÇÃO URBANA, AGRICULTURA BIOLÓGICA E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E SOLIDÁRIO.

terça-feira, 12 de novembro de 2013

O dia dos prodígios

Prodígio é poder contar com este tempo aprazível para pôr a horta em dia. Do último domingo fica o olhar fortuito que se segue sobre as tarefas realizadas e em que se misturam momentos de pura contemplação. Outros prodígios, portanto.


Ao lado do existente, instalámos cinco novos compostores cedidos pelo projecto Re-Planta aos utilizadores da horta que assistiram, em Moura, no mês passado, à oficina sobre compostagem. Foram cumpridos, de um modo geral, os procedimentos usuais de instalação de compostores: arrumados a um canto da horta, junto à casa das ferramentas, ao abrigo dos ventos dominantes, em lugar acessível a todos os hortelãos, debaixo de árvores de folha caduca e colocados directamente sobre o solo para facilitar a entrada de organismos decompositores e a passagem dos líquidos que se vão gerando durante a biodegradação da matéria orgânica.


Ponto de situação do processo de decomposição no compostor instalado há mais tempo: desde que, em Março, montaram arraiais neste "reactor biológico", os microorganismos de serviço têm dado conta das camadas de resíduos verdes e castanhos, criando, com as suas excrescências, um produto que se aproxima cada vez mais do composto maduro, isto é, o alimento ideal para nutrir o solo e as plantas da nossa horta. Já não falta muito para dispormos deste "ouro negro". Segurando uma forquilha na vertical, aproveitámos para abrir canais de ventilação e com isso introduzir mais oxigénio na pilha. 



Enquanto prossegue a compostagem, uma pilha de estrume bem curtido, misto de palha e esquírolas de excremento de cavalo, vai satisfazendo as necessidades de fertilizar e cobrir o solo de alguns talhões nesta altura do ano.  



Preparação de cinco talhões de forma muito pouco intrusiva: nada de enxadas e de cavas fundas para manter intacta a ordem das camadas de terra e poupar a fauna auxiliadora que habita no seu interior. Apenas uma monda manual para controlar a grama e uma leve passagem com ancinho no final para apagar os vestígios de pisoteio.   
Aos poucos, temos conseguido reaver o que, no início, não passavam de solos compactados e erodidos, convertendo-os em oásis de vida. 



Agora que os tons das folhas da figueira assumem declinações que vão do amarelo pálido ao castanho escuro e uma de cada vez caem ao chão, sobretudo nos talhões que se encontram sob o raio da acção da copa da árvore, está criado o pasto perfeito para as nossas minhocas e outras micro-criaturas se recrearem a seu bel-prazer. A sua acção é fundamental para transformar a matéria orgânica disponível em húmus e nutrientes assimiláveis pelas plantas. Significa, além disso, um contributo assinalável para a melhoria da estrutura do solo, para o aumento da drenagem dos mais pesados e da retenção de água dos mais leves, para a limitação da germinação de ervas espontâneas e ainda para a diminuição do impacto da radiação solar directa sobre o solo, evitando-se assim a erosão. 


Ainda a propósito de minhocas, temo-las amiúde na horta e bem cevadas, o que é um excelente medidor do trabalho em curso de regeneração do solo. Dá para perceber que, por aqui, minhocas e outros seres rastejantes têm estatuto de protecção. 



Como por exemplo esta taranta atarantada, que mete tracção às oito patas mal focamos a objectiva. Instinto de sobrevivência posto à prova, quando leva o dorso bem albardado de criação.



Mais acima, no cimo dos postes da vedação, há sempre uma garbosa louva-a-deus, circunvagando o olhar ou palhetando as asas em desalinho, que procura candidatos à medida do seu apetite. 



Aproveitámos a lua em quarto crescente para lançar à terra estas sementes de ervilha, produzidas em modo biológico pela De Bolster, seguindo o princípio dos antigos que diz que é nesta fase da lua que deve ser feita a sementeira das plantas aéreas (altura em que a seiva circula com maior fluidez no caule, nos ramos e nas folhas). Já no caso das plantas subterrâneas (cenouras, nabos, cebolas, alhos, batatas, etc), o cultivo deve ter lugar durante a lua minguante, quando a seiva desce às raízes.



Assim vai o fugaz (?) Verão de São Martinho: os pimenteiros continuam a produzir, e muito, como se estivéssemos em pleno Verão. "Mejor que pimienta", como escreveu Colombo.


Falar de pimenta é lembrar as malaguetas que também prosperam a olhos vistos na horta. Colhemos as bagas mais maduras, logo as mais picantes, para utilizar indiferentemente no tempero de molhos, em marinadas e pratos condimentados. E reservámos algumas como ingrediente principal de um chutney caseiro onde não faltarão o alho, azeite, louro, sal e uns pés de alecrim.


A propósito de alecrim, também colhemos algumas pontas tenras para fazer infusões, conhecidas que são as propriedades tonificantes e estimulantes da planta. Comido moderadamente em cru é um excelente fortificante para o cérebro e a memória. Não por acaso os estudantes da Grécia Antiga e os legionários romanos tinham por hábito trazer ramos de alecrim atrás das orelhas.  



O tempo ameno que se faz sentir ainda vai pedindo uma bebida refrescante. Entre as melhores que se podem fazer a partir das plantas da horta está a infusão gelada de hortelã-pimenta, cujo modo de preparação segue estes passos simples: 1) maceração das folhas num pilão; 2) infusão das folhas maceradas num bule; 3) coar o líquido; 4) deixar arrefecer; 5) colocar no frigorífico e servir bem frio. Como sugestão: adicionar uma colher de sopa com açucar mascavado. 



Salvas há muitas. Esta é a salva-ananás da nossa horta e apresenta-se por esta altura bem frondosa, com as suas flores lilazes e... comestíveis! Imagine-se uma salada com esta cor e a saber a ananás. Melhor do que isso, só provando.  


E como não há três plantas odorosas sem quatro, chega a vez de falar da lúcia-lima. O que lhe damos em trato e nutrimento, que inclui conversa diária de homem para planta, retribui-nos ela, a lúcia-lima, em infusões alimonadas que consolam a alma e  o corpo. 


O outono representa o auge das romãzeiras. Inteiriços ou arreganhados, ninguém pode ficar indiferente aos seus belos frutos. 



E se não bastasse, os lodãos-bastardos, carregados de ginjinhas maduras, só servem para renovar o apelo pela recolecção. 



Com estas dicas, não é difícil adivinhar em que consistiu o lanche frugal a meio da tarde: rosários doces de ginginhas-del-rei e gengivas vermelhas e abertas de romã a sorrirem para nós. 


Falta falar da última das vitualhas. Como a natureza na horta não se cansa de ser generosa, acabámos a jornada a ripar uns quantos ramos da nossa oliveira híbrida. Um maná de azeitonas carrasquenhas e cordovis que ganharão estatuto de conduto depois de curtidas em salmoura tradicional. 



Depois seguimos o exemplo das ovelhas do vizinho Francisco, gozando a calma do final de dia, pois na horta nem tudo são couves e alfaces.



Há também (e sempre) lugar para a contemplação e para um naco de prosa poética.

A oliveira de Atena na Acrópole 
"Quanto à oliveira, nada mais têm a dizer, senão que é o testemunho da luta da deusa pela posse da região. Contam ainda que esta oliveira foi queimada, quando os Medos incendiaram a cidade dos Atenienses, mas, no mesmo dia em que ardeu, produziu um rebento de dois côvados."

Pausânias, Descrição da Grécia, I, 26, 6 (trad. Maria Helena da Rocha Pereira)

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Dois anos

Fez esta última semana dois anos (no dia 10) que começámos o projecto da Horta Comunitária de Moura e dois anos também (no dia 11) que iniciámos este blogue.
Sobre o que era e aquilo em que se tornou a horta, algumas imagens e palavras que revisitam etapas/momentos importantes deste processo de cidadania participativa e colaborativa.


Outubro 2011 - Há dois anos, a área da actual horta comunitária destinava-se apenas ao pastoreio de vegetação espontânea por um efectivo ovino que não ultrapassava a dezena de animais. Ou seja, não apresentava qualquer prática cultural digna desse nome. Votada praticamente ao abandono, a horta era uma sombra dos seus tempos áureos, descritos com saudade pelas gentes do bairro do Sete e Meio. Depois de algumas reuniões com a Câmara Municipal de Moura, a entidade proprietária, em que se definiram os termos de cedência de parte do terreno da horta para realização da componente prática da acção de formação Empreender à Medida - Produção Agrícola: Horta Comunitária, promovida pela ADCMoura, iniciámos finalmente os trabalhos no terreno no dia 10 desse mês, que marca também o começo deste projecto.


Outubro 2011 - Entre Outubro de 2011 e Fevereiro de 2012, a Horta Comunitária foi palco da referida acção de formação, destinada a mobilizar e aumentar as competências de 12 formandos em situação de desemprego, através do contacto com o mundo do trabalho associado à produção agrícola. Dos doze formandos iniciais, só um permanece actualmente na Horta. Apesar de tudo, foi com a colaboração de todos eles que iniciámos a operação de resgate da horta. As vagas resultantes das desistências foram entretanto preenchidas por pessoas que demonstraram ter interesse efectivo em cultivar os talhões disponíveis. Neste momento, a lista de espera para ingresso na horta conta com cerca de duas dezenas de candidatos. 


Outubro 2011 - A situação de partida configurava um solo compactado, coberto com alguma vegetação espontânea e pródigo em pedras de média e grande dimensão, em particular na parcela superior, sem qualquer tipo de protecção contra a erosão. Foi necessário proceder a uma desprega manual seguida de mobilização mecânica do solo, realizada com o recurso a uma grade de discos. Apesar de não ser a opção preconizada para este tipo de intervenção, a ausência de alternativas no curto espaço de tempo que antecedeu o início dos trabalhos acabou por determinar a sua utilização. Foi solicitada, no entanto, uma mobilização muito ligeira na tentativa de disturbar o menos possível o perfil do solo.


Outubro 2011 - A recolha de amostras de solo para análise laboratorial revelou-se fundamental para avaliar a composição e fertilidade do terreno agrícola da horta e com isso identificar eventuais medidas correctivas. 


Outubro 2011 - Devolver o branco da cal há muito desaparecido das paredes do muro e do tanque da horta foi uma das primeiras tarefas a que deitámos mão. Em Julho de 2013, voltámos a devolver a luz da cal à nossa horta. A nova campanha será em Julho de 2015.




Outubro 2011 - Recuperando a agrimensura dos antigos egípcios, definimos os limites dos doze talhões que ainda hoje se mantêm: oito talhões na parcela inferior e quatro na superior, com as medidas de 7x5m ou 6x6m.



Novembro 2011 - Foi introduzida uma vedação de rede ovilheira para impedir a circulação de ovelhas e galináceos da vizinhança na área reservada à horta comunitária.

                                         

Novembro 2011 - Início dos trabalhos agrícolas com a mobilização e preparação do solo dos talhões, sementeira e/ou plantação. Primeira campanha Outono-Inverno, marcada por seca severa, pois só choveu em final de Março de 2012. A implantação dos talhões individuais supôs um planeamento prévio, que permitiu ter em consideração, para além do gosto pessoal dos utilizadores, alguns aspectos fundamentais para a produção de hortícolas em modo de produção biológico: - plano anual de estabelecimento de culturas nos talhões, proporcionando uma ocupação permanente das áreas individuais; - rotação e consociação de culturas, tendo em consideração potenciais efeitos alelopáticos, aumento da diversidade de plantas na horta em cada momento do ciclo anual, exploração diferencial do solo e de nutrientes nele presentes, disponibilização/decomposição de matéria orgânica, sensibilidade a pragas e doenças, etc,; - estabelecimento de zonas de compensação ecológica com plantas que atraem organismos benéficos de zonas próximas para a área da horta, tendo-se utilizado sobretudo bordaduras de plantas aromáticas.  


Novembro 2011 - Favas e ervilhas foram e continuam a ser as eleitas das culturas de Inverno na horta. Para além da gastronomia, estas leguminosas são importantes para a fertilidade e actividade biológica do solo sob a forma de adubo verde: fixam o azoto atmosférico no solo e, mais tarde, podem ser incorporadas na terra como fertilizante (sideração). 


Novembro 2011 - A criação da área de compostagem obedeceu a alguns critérios de localização: acesso a todos os utilizadores; presença de ensombramento e garantia de não escoamento do chorume para linhas de água. Aliás, a instalação do compostor contemplou também a abertura de uma vala, forrada com plástico preto, para recolha precisamente desse líquido resultante da decomposição da matéria orgânica. O chorume, enquanto subproduto da compostagem, é excelente como bio-pesticida e também como bio-estimulante das plantas. Dada a escassez de insumos internos na horta que permitissem alimentar uma pilha de composto com o volume desejado, optou-se pelo recurso a subprodutos de outras actividades produtivas locais, como por exemplo folhas e ramos de oliveira provenientes da separação da azeitona, de protecção integrada, à entrada do lagar da Cooperativa Agrícola de Moura e Barrancos.


Novembro 2011 - Rumámos a Castro Verde para conhecer de perto o projecto das hortas comunitárias promovido pelo Município local, numa visita que visou o intercâmbio de ideias e recolha de boas práticas. 


Novembro 2011 - Colocámos estacas de roseira em redor da horta e nas bordaduras dos talhões, pois, para além do embelezamento paisagístico que proporcionam e de apresentarem pétalas comestíveis e atraírem insectos auxiliares, desempenham ainda o papel de bioindicadores de doenças como o oídio ou farinha.



Dezembro 2011 - Realizámos a primeira visita técnica à horta numa manhã fria e seca de Inverno, guiada pelos próprios formandos/utilizadores e dirigida a convidados amigos e conhecidos que se mostraram curiosos no início e embevecidos no final com tudo o que viram e ouviram.


Dezembro 2011 - Não terminámos o ano sem antes trazer a Moura um importante tema que marca a actualidade e marcará certamente o nosso futuro comum: a recolha e conservação de sementes tradicionais. Em formato de ateliê e com muitas demonstrações práticas, o José Mariano, da Colher para Semear, não deixou ninguém indiferente. Como resultado desta sensibilização, a Horta Comunitária conta criar brevemente um banco de sementes para conservação do património vegetal de variedades tradicionais ou regionais.  



Janeiro 2012 - No início de 2013, no âmbito das actividades da Semana da Comunidade Educativa, abrimos as portas da horta a alunos, famílias e professores das Escolas Básicas do 1º ciclo da cidade de Moura, para uma jornada de educação ambiental que foi muito profícua e que cativou miúdos e graúdos. Uma manhã diferente passada fora dos bancos da escola, que, esperamos, possa vir a dar frutos no futuro.




Fevereiro 2012 - Celebrámos a conclusão do curso de formação iniciado em Outubro de 2011 com um lauto almoço confeccionado pelos próprios formandos e servido em plena horta. Tratou-se de uma espécie de adiafa, termo utilizado aqui no Alentejo para designar o ritual de celebração alimentar e de confraternização associado à conclusão dos trabalhos do campo, após o ciclo agrícola. Para a ocasião festiva, escolhemos receitas à base de produtos das hortas e convidámos alguns amigos a juntarem-se à nossa mesa, que ficaram extasiados com a diversidade e qualidade da oferta gastronómica.  



Março 2012 - A horta dispõe de um tanque antigo abastecido por água de nascente, que corre todo o ano. Costumamos dizer, com propriedade, que regamos as nossas hortícolas com Água do Castello, originalmente captada no castelo de Moura. Começámos por regar com um par de regadores e muita força braçal. Ao cabo de cinco meses, mantendo a simplicidade dos meios, desenvolvemos um sistema de rega por gravidade que leva a água a cada um dos talhões através de uma mangueira comum e correspondentes derivações com torneira individual, o que, sem ser o modelo perfeito, tem servido as necessidades das nossas plantas.  



Abril 2012 - Enveredámos pelo "faça você mesmo" conhecendo os riscos da decisão e não nos demos mal. Apesar de alguns acidentes de percurso, a desmanchar e a refazer passo-a-passo, conseguimos pôr de pé, sem que sobrassem peças, a alegre casinha das ferramentas. Até hoje continua a ser a morada segura da alfaiaria agrícola da horta. Quando é preciso também serve de vestiário. Não, os menos magros também conseguem caber dentro.  



Maio 2012 - A horta saiu por momentos do Sete e Meio e foi dar-se a conhecer na Olivomoura, através do stand da ADCMoura, primeira de muitas presenças em certames do género. 


Julho 2012 - Há quanto tempo o tanque não era limpo? Quase trinta centímetros de lama e pedras, sendo que uma ou outra entupiam o cano de saída da água, deixa perceber que há muito, seguramente. Três hortelãos meteram então mãos à obra, dragando o fundo à procura de pedras e baldeando água lamacenta até as baldosas ficarem a descoberto, luzidias. Pronto a receber vinte mil litros de água bem oxigenada e cheia de reflexos azuis, o tanque voltaria a ser o abrigo dos nossos dezoito peixinhos da horta, entre barbos, carpas, bogas e pimpões.


Agosto 2012 -  Por duas vezes a horta acolheu um grupo de futuros hortelãos participantes no Ateliê de Jardinagem organizado pela Câmara Municipal de Moura. Miúdos que trocam as férias grandes por dias dedicados à jardinagem só podem ser especiais. Fizeram perguntas, formularam desejos, plantaram e regaram, aprenderam, divertindo-se, e no final ganharam um troféu em forma de tomate coração-de-boi. 



Fevereiro 2013 - Depois do Regulamento de Utilização e do Plano de Exploração da Horta Comunitária de Moura, compilámos um conjunto de informações e conselhos práticos úteis sobre horticultura em modo de produção biológico no Guia de utilização da Horta Comunitária de Moura. Disponível para consulta neste mesmo blogue.


Abril 2013 -  Embora atrasados, celebrámos a chegada da Primavera, com música, poesia petisco no alforge e muita alegria. Porque "a poesia é para comer", já dizia a Natália Correia. A repetir na próxima Primavera, com toda a certeza.


Junho 2013 - No início deste Verão, investimos em operações de limpeza, desprega e controlo do escalracho nas áreas comuns da horta.


Julho 2013 - O talude com plantas aromáticas e medicinais, que separa as duas parcelas da horta, tem-se revelado uma das áreas mais importantes do espaço, permitindo, com uma intervenção equilibrada, agir não só ao nível da conservação do solo e combate à erosão, como contribuir para a fixação de insectos auxiliares e introduzir diversidade, embelezamento e refrigério. Em Julho deste ano, a colecção de plantas do talude ultrapassou as três dezenas de espécies diferentes. 


Outubro 2013 - A horta, no dia de ontem, ao fim da tarde. Um domingo... 

Domingo irei para as hortas na pessoa dos outros,
Contente da minha anonimidade.
Domingo serei feliz - eles, eles...
Domingo...
Hoje é a quinta-feira da semana que não tem domingo...
Nenhum domingo...
Nunca domingo...
Mas sempre haverá alguém nas hortas no domingo que vem.
Assim passa a vida,
Sobretudo para quem sente,
Mais ou menos para quem pensa:
Haverá sempre alguém nas hortas ao domingo...
Não no nosso domingo,
Não no meu domingo,
Não no domingo...
Mas sempre haverá outrem nas hortas e ao domingo...

Fernando Pessoa (Álvaro de Campos), Poesia, 9/8/1934



sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Partilhar sementes

Reunião Tupperware? Showroom de varinhas mágicas? Nem uma coisa nem outra. É o José Mariano, da Colher para Semear, a tentar extrair sementes de uma beringela, rodeado de uma plateia de passantes que aguarda, suspensa, pelo desenlace da operação. A tentar, porque a beringela não apresenta ainda aquele tom amarelo dourado, sinal de que o fruto está bem maduro e as sementes no ponto para guardar para sementeiras futuras. Não sendo ideais, as condições existentes não o impedem de continuar com a demonstração e de obter as tão desejadas cápsulas que preservam a vida através do espaço e do tempo, muitas vezes em condições hostis, com todos os requisitos de sobrevivência no seu interior. 
Em plena Feira de Setembro, em Moura, o José Mariano principia por descascar e cortar a beringela em bocados desiguais. As sementes estão à vista na polpa, mas não propriamente à mão de semear. Retirá-las uma a uma com as pontas dos dedos está longe de ser tarefa fácil. Por isso, nada melhor do que um truque para agilizar o processo e poupar na paciência. A solução tem tanto de magia como de simplicidade desarmante. Magia é a palavra certa, até porque é aqui que entra a varinha mágica. Os pedaços de beringela são deitados num liquidificador, com um pouco de água não tratada, dentro do qual trabalhará a varinha em baixa rotação para desfazer aos poucos a polpa sem danificar as sementes. Estas acabam por soltar-se e afundar-se na calda. Ao contrário, os restos de polpa ficam a flutuar à superfície, o que facilita a sua remoção. Em seguida, o líquido com as sementes é passado pelo coador, que retém apenas o que interessa. Deixadas a secar num prato até que não reste qualquer vestígio de humidade, as sementes estarão finalmente prontas para serem guardadas hermeticamente em frascos de vidro e etiquetadas com o nome da variedade e o ano da colheita. 
Duas regras de ouro a reter para qualquer secagem que envolva frutos, como a beringela: apanhar sempre os frutos mais sãos situados ao nível inferior da planta e secar sempre as sementes à sombra. Tratando-se de uma variedade tradicional ou regional cuja pureza se pretende preservar, torna-se necessário proceder diferentemente se estamos em presença de uma planta cujo sistema de reprodução é por autopolinização e autofecundação ou se se trata de uma espécie de polinização cruzada, promovida pelos principais vectores: o vento e os insectos. No primeiro caso, a variabilidade é limitada, existindo baixo risco de cruzamento. Nesta categoria encontramos espécies como a alface, beldroega, ervilha, feijão, grão-de-bico ou tomate. No segundo caso, ao invés, a variabilidade é grande, existindo alto risco de cruzamento. Para espécies com estas características, é necessário estabelecer uma distância de isolamento entre variedades diferentes da mesma espécie, que pode variar entre 50 a 100 metros no caso da beringela e entre 3000 a 8000 metros no caso da beterraba, para se garantir uma elevada pureza varietal. Ainda para contrariar o desenvolvimento de híbridos, pode-se sempre recorrer a exemplos de polinização controlada pelo próprio homem: tapando todas as plantas da mesma variedade com rede mosquiteira, e desde que se introduzam no interior insectos polinizadores, ou ligando manualmente flores macho e flores fêmea e fechando de seguida a flor fêmea já fecundada com fita adesiva de fácil remoção para não condicionar ou impedir mesmo o crescimento do pedúnculo.   
Em suma, e esta foi a mensagem principal deixada pelo José Mariano, compete a cada um, sobretudo quem faz agricultura e é utilizador de hortas, recorrendo a procedimentos simples, contribuir para a conservação das sementes de variedades tradicionais e da biodiversidade no seu todo, sementes essas que não estão patenteadas e que são portanto património de todos.   
Falando do nosso contributo e respondendo a um desafio lançado pelo José Mariano, tornámo-nos em fiel guardião de um exemplar de uma variedade tradicional de tomate que o próprio nos confiou: o tomate-de-viagem. O compromisso firmado passa por extrair e guardar as respectivas sementes, lançá-las à terra no tempo próprio e partilhar parte da colheita com outros animados do mesmo espírito, de modo a que também esses procedam à conservação e multiplicação das sementes, de modo a que todos juntos consigamos garantir a continuidade da variedade. 
Espaço de partilha por excelência, que melhor sítio do que a horta comunitária para lançar e consolidar esta ideia que diz respeito ao nosso futuro comum. 

Que fizeste das palavras?
Que contas darás tu dessas vogais
de um azul tão apaziguado?

E das consoantes, que lhes dirás,
ardendo entre o fulgor
das laranjas e o sol dos cavalos?

Que lhes dirás quando 
te perguntarem pelas minúsculas
sementes que te confiaram?

Eugénio de Andrade, Matéria solar, 1980)


O vórtice das sementes de beringela

Exemplar de tomate-de-viagem

Um bago para consumir em cada paragem do périplo 

Sementes do mesmo tomate, prontas para mais uma etapa da longa viagem da sobrevivência