A RUA DAS HORTAS EXISTE MESMO. FICA SITUADA EM MOURA, NO BAIRRO DO SETE E MEIO.
ESTE BLOGUE É O DIÁRIO DE BORDO DA HORTA COMUNITÁRIA AÍ EXISTENTE. INICIALMENTE ASSOCIADA A UM PROJECTO DE FORMAÇÃO PARA PÚBLICOS DESFAVORECIDOS, COMO ESPAÇO DA COMPONENTE TECNOLÓGICA DO CURSO, A HORTA ENCONTRA-SE AGORA NUMA SEGUNDA FASE. NESTE MOMENTO, ACOLHE ALGUNS DOS FORMANDOS QUE MOSTRARAM VONTADE EM PROSSEGUIR A ACTIVIDADE PARA A QUAL FORAM CAPACITADOS E ESTÁ ABERTA A OUTROS INTERESSADOS EM ACEDER AOS RESTANTES TALHÕES DEIXADOS LIVRES. UNS E OUTROS SÃO RESPONSÁVEIS PELA GESTÃO COMUNITÁRIA DA HORTA, MEDIANTE A OBSERVÂNCIA DE UM REGULAMENTO E CONTRATO DE UTILIZAÇÃO. ESTE PROJECTO CONTA COM A ORGANIZAÇÃO DA ADCMOURA EM PARCERIA COM A CÂMARA MUNICIPAL DE MOURA, NÚCLEO LOCAL DE INSERÇÃO DA SEGURANÇA SOCIAL, EQUIPA TÉCNICA DE ACOMPANHAMENTO FAMILIAR PROTOCOLO DE MOURA E CENTRO DE EMPREGO DE MOURA. TAL COMO ATÉ AQUI, ESTE É TAMBÉM O ESPAÇO PARA FALAR DE REGENERAÇÃO URBANA, AGRICULTURA BIOLÓGICA E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E SOLIDÁRIO.

domingo, 5 de janeiro de 2014

Chá no Sahara

Ontem desafiámos a chuva e o vento para ir à horta colher uns pés de hortelã marroquina (Mentha spicata "Nana"). Uma missão relacionada com os excessos gastronómicos da época festiva que atravessamos. Com a seiva ainda fresca, destacámos, uma a uma, as folhas dos caules e deixámo-las em infusão durante cinco minutos, contados a partir do primeiro contacto com a água a cerca de 80 graus Celsius. Resultou na beberagem que esperávamos e necessitávamos. Um travo fresco e doce a mentol com notas subtis de pimenta. Sobretudo purgante e relaxante, e os efeitos a fazerem-se sentir de imediato. Além disso, duas canecas cheias para brindarmos de novo ao novo ano, esperando que todos possam ver realizado o seu desejo de tomar um chá no Sahara, apesar das tempestades de areia que espreitam no horizonte.




"Tea in the Sahara" é o título do livro primeiro de The sheltering sky, obra de culto escrita por Paul Bowles em 1949 e adaptada ao cinema por Bertolucci em 1990, num filme com o mesmo nome, onde se conta a história triste, trágica mesmo, que se segue, de quem, justamente, deseja muito tomar um chá no deserto. De resto a história inspirou ainda Sting a escrever e musicar "Tea in the Sahara" (The Police, Synchronicity, 1983). Seguimos a tradução portuguesa de José Agostinho Baptista (O céu que nos protege, edição Assírio e Alvim, 1989); ver aqui o texto original em inglês (chapter 5, pp. 11-12)   
«Havia três raparigas das montanhas que se chamavam Outka, Mimouna e Aicha. (...) Foram à procura da sorte em M'Zab. A maior parte das raparigas da montanha vai procurá-la a Algiers, Tunis (...), onde possam ganhar dinheiro, mas estas raparigas queriam uma coisa acima de todas: beber chá no Sahara. (...) No M'Zab os homens são todos feios. As raparigas dançam nos cafés de Ghardaia, mas estão sempre tristes; continuam à espera de tomar chá no Sahara. (...) Por isso muitos meses passaram e elas continuavam no M'Zab, tristes, muito tristes, porque os homens eram todos feios. São mesmo feios, como porcos. E não pagam o dinheiro suficiente às raparigas e por isso elas não podem ir-se embora tomar chá no Sahara. (...) Um dia aparece um Targui, alto e formoso, montado num belo mehara; fala com Outka, Mimouna e Aicha, fala-lhes no deserto, lá onde ele vive, no seu bled e elas ouvem, de olhos arregalados. Depois ele diz: "Dancem para mim", e elas dançam. A seguir faz amor com as três, dá uma moeda de prata a Outka, outra a Mimouna e outra a Aicha. Ao romper do dia, monta o seu mehara e vai-se embora para o Sul. Depois elas ficam muito tristes e o M'Zab parece-lhes mais feio do que nunca, e só pensam no alto Targui que vive no Sahara. (...) 
Passam muitos meses, e elas não têm ainda dinheiro suficiente para partir para o Sahara. Tinham guardado as moedas de prata, porque estavam as três apaixonadas pelo Targui. E continuam sempre tristes. Um dia dizem: "Vamos acabar assim - sempre tristes, sem tomarmos chá no Sahara - por isso temos de partir imediatamente, de qualquer maneira, mesmo sem dinheiro." Juntam todo o dinheiro que têm, incluindo as três moedas de prata, compram um bule, uma bandeja, três copos e bilhetes de autocarro para El Goléa. Aí resta-lhes pouco dinheiro e entregam-no todo a um dachlamar que conduz a sua caravana. Então, uma noite, quando o sol se está a pôr, chegam às grandes dunas de areia e pensam: "Ah, estamos enfim no Sahara; vamos fazer chá." (...) Outka, Mimouna e Aicha afastam-se em silêncio da caravana com a sua bandeja, o bule e os copos. Procuram a duna mais alta de modo a poderem ver todo o Sahara. Depois farão chá. Caminham durante muito tempo. Outka diz "vejo uma duna alta", dirigem-se para lá e sobem-na até ao cimo. Então Mimouna diz: "Vejo uma duna além. É muito mais alta e podemos ver todo o caminho para In Salah!" Dirigem-se para essa duna, que é muito mais alta. Mas quando chegam ao cimo, Aicha diz: "Olhem! Ali está a duna mais alta de todas. De lá podemos ver Tamanrasset. É onde vive o Targui." O sol nasce e elas continuam a andar. Ao meio-dia faz muito calor. Mas chegam à duna e sobem, sobem. Quando atingem o cimo estão muito cansadas e dizem: "Bem, vamos descansar um pouquinho e depois fazemos chá." Mas antes pousam a bandeja, o bule e os copos. Depois deitam-se e adormecem. E então muitos dias mais tarde outra caravana vinha a passar por ali e um homem reparou em qualquer coisa no cimo da duna mais alta. Quando foram ver, encontraram Outka, Mimouna e Aicha; ainda lá estavam, deitadas tal como tinham adormecido. E os três copos estavam cheios de areia. Foi assim que tomaram o seu chá no Sahara.»