A RUA DAS HORTAS EXISTE MESMO. FICA SITUADA EM MOURA, NO BAIRRO DO SETE E MEIO.
ESTE BLOGUE É O DIÁRIO DE BORDO DA HORTA COMUNITÁRIA AÍ EXISTENTE. INICIALMENTE ASSOCIADA A UM PROJECTO DE FORMAÇÃO PARA PÚBLICOS DESFAVORECIDOS, COMO ESPAÇO DA COMPONENTE TECNOLÓGICA DO CURSO, A HORTA ENCONTRA-SE AGORA NUMA SEGUNDA FASE. NESTE MOMENTO, ACOLHE ALGUNS DOS FORMANDOS QUE MOSTRARAM VONTADE EM PROSSEGUIR A ACTIVIDADE PARA A QUAL FORAM CAPACITADOS E ESTÁ ABERTA A OUTROS INTERESSADOS EM ACEDER AOS RESTANTES TALHÕES DEIXADOS LIVRES. UNS E OUTROS SÃO RESPONSÁVEIS PELA GESTÃO COMUNITÁRIA DA HORTA, MEDIANTE A OBSERVÂNCIA DE UM REGULAMENTO E CONTRATO DE UTILIZAÇÃO. ESTE PROJECTO CONTA COM A ORGANIZAÇÃO DA ADCMOURA EM PARCERIA COM A CÂMARA MUNICIPAL DE MOURA, NÚCLEO LOCAL DE INSERÇÃO DA SEGURANÇA SOCIAL, EQUIPA TÉCNICA DE ACOMPANHAMENTO FAMILIAR PROTOCOLO DE MOURA E CENTRO DE EMPREGO DE MOURA. TAL COMO ATÉ AQUI, ESTE É TAMBÉM O ESPAÇO PARA FALAR DE REGENERAÇÃO URBANA, AGRICULTURA BIOLÓGICA E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E SOLIDÁRIO.

sexta-feira, 29 de junho de 2012

O coro das rãs

Por estes dias de calor abrasador, em que só apetece dar folga a enxadas e ancinhos e ficar a gozar o fresco da sombra da figueira (embora digam que é doentia; mas, à falta de bananeiras, é a que se pode arranjar), as rãs-verdes que vivem na periferia do tanque podem ser uma fonte suplementar de inspiração para quem optar por encanar a perna, de preferência com siesta, e entregar-se a um estado total de dolce far niente. Além de trabalharem para o bronze, lançam-se à água à nossa passagem (que remédio!) para banhos retemperadores e encenam até a sua "natação obrigatória" (título de um tema muito sugestivo da mítica Banda do Casaco) nos fundos lodosos do charco, se nos demorarmos à sua beira. Fora estes picos de actividade, em terra ou boiando por entre caules submersos de poejo e agrião, as rãs esperam apenas que a comida passe à frente das suas bocarras insaciáveis: insectos, aranhas, minhocas e caracóis são a sua perdição, cujo controlo as torna de enorme utilidade na horta. Os machos dão-se ainda ao trabalho de coaxarem freneticamente, noite e dia, por uma boa causa e de a perseguirem até à exaustão. Olímpico esforço coroado com um escaldante amplexo axilar que prenuncia a renovação da espécie. Uf! Aqui chegados depois deste afã e para sermos rigorosos, encanar a perna à rã só mesmo no inverno, durante o período de hibernação.

Coro das Rãs

Mais  forte ainda
será nossa voz, se jamais
em dias soalheiros
saltámos no meio da galanga
e do junco, gozando o nosso canto
entre mergulhos sem fim,
ou se, fugindo à chuva de Zeus, no fundo da água entoámos
coros variados de dança,
ao som do rebentar das bolhas.

(Aristófanes, As Rãs, 241-249 , traduzido do grego por Maria Helena da Rocha Pereira, Hélade - Antologia da Cultura Grega, 1ª ed. 1959)



Parte do charco onde vivem as nossas rãs-verdes  


O charco, à saída do tanque


Uma rã temerária  (Foto: Ricardo Desirat)

terça-feira, 12 de junho de 2012

O fascínio das PAM

Ocupando as bordaduras dos talhões ou o talude que divide as parcelas, são elas as guardiãs da nossa horta. À primeira vista, parecem um tanto ou quanto deslocadas de um cenário que nos habituámos a associar a pimenteiros, tomateiros, cebolas e alfaces. Mas olhando com atenção, facilmente nos convencemos da importância das plantas aromáticas e medicinais (PAM) para a prosperidade de lugares como este. Usando com inteligência as suas flores chamejantes repletas de néctar e as suas fragrâncias irresistíveis que rescendem a cânfora ou a menta, este tipo de plantas é responsável por trazer até à horta uma diversidade de insectos úteis que, atraídos por promessas de alimento, acabam involuntariamente por transportar grãos de pólen presos aos seus corpos e deste modo assegurar a fecundação, quer das próprias plantas aromáticas, quer, por exemplo, dos tomateiros, que por esta altura exibem as suas flores amarelas. Além disso, os aromas que atraem insectos bem-vindos à horta servem ao mesmo tempo para repelir outros indesejados, como as lagartas da couve ou uma série imensa de afídeos. É graças a estas plantas aliadas que se vem registando, por exemplo, um aumento da população de abelhas e a diminuição drástica de borboletas da couve desde que iniciámos o projecto da rua das hortas. Por isso, sempre que é possível, concentramos as nossas energias no adensamento da vegetação do talude, plantando mais e mais aromáticas. Da nossa colecção, ainda pouca extensa, constam as espécies que se seguem.        

Hissopo (Hyssopus officinalis
Está como peixe na água neste solo neutro a ligeiramente alcalino, com boa drenagem e exposição solar. Esta planta vivaz, que dura apenas 5 anos, é muito usada em consociações (afasta por exemplo a borboleta-da-couve e atrai as abelhas, contribuindo para a polinização). Consta que as suas flores azuis-escuras melhoram e muito as saladas e, em infusão, aliviam brônquios congestionados. Esta planta é oriunda de semente produzida em modo de produção biodinâmica pela empresa holandesa De Bolster.  

Tomilho-limão (Thymus x citriodora)
É uma planta híbrida cujo aroma inconfundível confirma o nome vernáculo da espécie. Os nossos exemplares apresentam folhas verdes, mas há variedades com folhas amarelas ou brancas. As suas flores, brancas ou ligeiramente rosadas, são um festim para vários tipos de abelhas que, nesta altura do ano, trabalham com afinco na colheita de néctar. Adaptou-se lindamente ao solo bem drenado e ao talude soalheiro da horta. Faz uma óptima infusão e maravilhas quando utilizado em aromaterapia para combater asma e outros problemas respiratórios. A maior parte dos exemplares veio dos viveiros do Monte do Menir.

Manjerona  (Origanum majorana)
Coisa que não falta na horta são locais soalheiros e solos bem drenados não demasiadamente ácidos, uma fórmula de que depende o êxito da nossa manjerona. Temo-la em diferentes sítios, pois é excelente a repelir todo o tipo de pragas e dizem até que melhora o sabor dos legumes, plantada entre filas ou na bordadura dos talhões. Todos os exemplares existentes vieram do Cantinho das Aromáticas.  

Salva (Salvia officinalis)
É uma planta que reclama terrenos com muita luz e de preferência calcários. As folhas, de textura  aveludada, têm larga utilização, embora se devam colher antes da floração para evitar o gosto forte a tanino. As flores roxo-azuladas, com as pétalas em forma de lábio (daí pertencerem à família das Labiadas,) dão uma excelente pista de aterragem para vários tipos de insectos úteis. Pelo contrário, exalam um forte aroma nada agradável aos sentidos das traças. Da vasta lista de aplicações na medicina, conta-se o tratamento de dores de garganta, má digestão, problemas hormonais e estímulo do cérebro. É também frequente o seu emprego em pastas dentífricas. Já na cozinha, é conhecida a sua fama na aromatização de vinagres e licores. As plantas existentes na horta são oriundas de sementes produzidas em modo de produção biodinâmica pela empresa holandesa De Bolster.  

Tomilho bela-luz (Thymus mastichina)
Também conhecida por sal-puro ou manjerona-brava, esta planta só se encontra na Península Ibérica, o que a torna um endemismo deste extremo sudoeste da Europa. Apesar disso, é um dos tomilhos menos conhecidos entre nós, embora dos mais extraordinários devido à riqueza dos seus óleos essenciais, igualmente bons a espantar insectos prescindíveis, e por se tratar de um recurso genético raro. Como o seu nome indica, é um substituto do sal, com a vantagem de ser aromatizado, e um recurso a ter em conta em casos de constipação e gripe. Na horta só temos (ainda) um pé desta planta, originalmente proveniente de uma estaca colhida junto às margens do rio Ardila, onde é relativamente abundante, e a sua adaptação está a decorrer lindamente.  
 
Segurelha-de-Inverno (Satureja montana)
Ao contrário da Satureja hortensis (Segurelha-de-Verão), a Satureja montana é uma planta 
perene, com um sabor picante. Acompanha muito bem guisados de carne e pratos de feijão. É imprescindível numa sopa de feijão-verde e opera milagres ao repelir pragas indesejáveis. Este exemplar é sucedâneo de uma planta criada no Cantinho das Aromáticas. 

Poejo (Mentha pulegium)
Embora existindo espontâneo junto à vala colectora de água que transborda do tanque, só conseguimos transplantá-lo uma vez com sucesso. A polegona é o composto essencial mais presente na planta, servindo para afastar pulgas (daí a designação científica desta menta) e outro tipo de insectos nocivos. É tido igualmente como um excelente formicida (os resultados melhoram se se esfregar as folhas nos locais infestados). Fervendo as suas folhas com figos e juntando, no final, mel ao preparado, obtém-se um belíssimo xarope para a tosse. Isto para não falar do licor de poejo, o licor de eleição do nosso Alentejo. 

Santolina (Santolina chamaecyparissus)
Aprecia sobretudo solos pouco ricos em nutrientes e bem drenados. As suas folhas prateadas exalam um aroma limonado que funciona muito bem como repelente de um grande número de insectos indesejáveis. As suas folhas esmagadas e friccionadas são eficazes no tratamento de picadas de insectos.  

Alfazema (Lavandula angustifolia)
Prefere terrenos férteis com boa drenagem e elevada exposição solar. É um bom repelente de mosquitos, melgas e moscas. Em contrapartida, as suas flores em espiga atraem abelhas e outros insectos melíferos. O seu óleo essencial é utilizado no tratamento de picadas, queimaduras, cortes e, como calmante, na água do banho. 

Alecrim (Rosmarinus officinalis
Um solo bem drenado e sem acidez e locais soalheiros como os que existem na horta, e o alecrim tem tudo para se tornar uma sebe viçosa e viscosa de óleos essenciais, altamente dissuasores de pragas e apetecíveis aos insectos aliados do hortelão. Esta é espécie mais presente na nossa horta.

Tomilho-vulgar (Thymus vulgaris)
É a espécie de tomilho mais representada na horta, onde encontra boas condições para prosperar. Neste momento, as suas flores repletas de néctar são um dos pastos preferidos de abelhas melíferas e outro tipo de insectos. Os tomilhos, de um modo geral, entram no tempero de vários pratos, com destaque para os de caça, ajudando a digestão e a decompor gorduras. Todos os exemplares existentes na horta vieram do Monte do Menir.  

Orégão (Origanum vulgare)
Solos bem drenados e óptima exposição solar eis a receita para conseguir orégãos saudáveis. É aliás o sol que contribui para impregnar as folhas desta planta de óleos essenciais ricos em timol, cuja fragrância atrai abelhas e pequenas borboletas coloridas. Os nossos exemplares surgem consociados com as culturas típicas da horta, de modo a facilitarem a sua fertilização. É uma das plantas obrigatórias na cozinha do Alentejo, sempre à mão ora para temperar azeitonas ora para aromatizar um pratinho de caracóis.