A terminar o ano, uma história passada no último Verão, em quatro andamentos.
1.Julho no seu apogeu e eis que um pato branco, sem dono nem mando, chega à horta. Marcando as devidas distâncias em relação ao ponto de onde o observamos, estuga o passo direito ao tanque, patina na baldosa e amara de quilha estilhaçando o espelho de água. Passa uma boa meia hora em circum-navegações exploratórias, como se nada fosse com ele, como se não tivesse de dar explicações. Depois, deixa a água e vem aninhar-se ao sol, alisando as rémiges sem despegar os olhos dos nossos, no fundo dos quais deve ter descoberto um qualquer sinal de fraqueza, do género: «a um pato tolera-se tudo».
2.Com o início de Agosto, o anatídeo convence-se de que somos São Francisco de Assis, e começa a aproximação. Que se torna atrevida no dia em que o surpreendemos a flanar ao longo de dois talhões em pousio, tasquinhando este e aqueloutro escalracho. Quando a criatura decide finalmente espojar-se e espenujar-se aos nossos pés, está segura de que vem aí o salvo-conduto para alargar a ronda a toda a horta.
3.Em meados de Agosto, faz de tudo para retribuir e chamar a nossa atenção. É a altura em que nos habituamos ao som da restolhada vinda dos tomateiros enquanto cumprimos a rotina de desdobrar a mangueira e levar a água ao nosso talhão. Claro que só podia ser o Ranger em missão de patrulhamento, como sempre atascado num dos regos que a água já cobria, como sempre quase irreconhecível sob a lama que só lhe deixava ver os olhos.
4.Julgávamos terem sido exploradas todas as possibilidades de mostrar serviço até àquela tarde de final de Agosto em que somos confrontados com a mais extraordinária das proezas. Deambulávamos ambos no caminho de serventia, ao longo da álea de aromáticas, quando derivou para mostrar o desvão, entre duas alfazemas, onde costumava pernoitar. Depois, sem que nada o fizesse prever, empinou a barriga até ao alecrim mais próximo, seleccionou duas ou três hastes mais carregadas, e não se fez rogado. Num abrir e fechar de olhos, longos rosários de caracóis acabaram sugados e rilhados - um aspirador não faria melhor -, por aquele bico longo e espalmado a lembrar dois palitos la reine justapostos. Um verdadeiro bodo ao nosso pato, que motivou o seguinte comentário: «Não te conhecia tão galfarro, ó pato. Ainda por cima, sorte a tua, os caracóis até já vêm temperados e servidos em espetos de alecrim». Ora, ora, tivesse esta cena acontecido no tempo em que os animais falavam, e outro pato cantaria, decerto com uma réplica deste jaez: «Deixa-te de histórias de patos, ó homem, e vai mas é buscar uma grade de minis para acompanhar o petisco, que se faz tarde». Palavra que foi isto que perscrutámos lá bem no seu imo, sem despegarmos os olhos dos dele.
Para corroborar a veracidade desta história, leia-se o seguinte no Manual de Agricultura Biológica, edição da Agrobio de 1988, página 413: «Como medidas de carácter mais preventivo (contra caracóis e lesmas), indicamos as seguintes: (...) 2) colocar galinhas e patos (...) no terreno antes ou no final da cultura.» Já agora, as fotografias, para que não restem dúvidas.
1.Julho no seu apogeu e eis que um pato branco, sem dono nem mando, chega à horta. Marcando as devidas distâncias em relação ao ponto de onde o observamos, estuga o passo direito ao tanque, patina na baldosa e amara de quilha estilhaçando o espelho de água. Passa uma boa meia hora em circum-navegações exploratórias, como se nada fosse com ele, como se não tivesse de dar explicações. Depois, deixa a água e vem aninhar-se ao sol, alisando as rémiges sem despegar os olhos dos nossos, no fundo dos quais deve ter descoberto um qualquer sinal de fraqueza, do género: «a um pato tolera-se tudo».
2.Com o início de Agosto, o anatídeo convence-se de que somos São Francisco de Assis, e começa a aproximação. Que se torna atrevida no dia em que o surpreendemos a flanar ao longo de dois talhões em pousio, tasquinhando este e aqueloutro escalracho. Quando a criatura decide finalmente espojar-se e espenujar-se aos nossos pés, está segura de que vem aí o salvo-conduto para alargar a ronda a toda a horta.
3.Em meados de Agosto, faz de tudo para retribuir e chamar a nossa atenção. É a altura em que nos habituamos ao som da restolhada vinda dos tomateiros enquanto cumprimos a rotina de desdobrar a mangueira e levar a água ao nosso talhão. Claro que só podia ser o Ranger em missão de patrulhamento, como sempre atascado num dos regos que a água já cobria, como sempre quase irreconhecível sob a lama que só lhe deixava ver os olhos.
4.Julgávamos terem sido exploradas todas as possibilidades de mostrar serviço até àquela tarde de final de Agosto em que somos confrontados com a mais extraordinária das proezas. Deambulávamos ambos no caminho de serventia, ao longo da álea de aromáticas, quando derivou para mostrar o desvão, entre duas alfazemas, onde costumava pernoitar. Depois, sem que nada o fizesse prever, empinou a barriga até ao alecrim mais próximo, seleccionou duas ou três hastes mais carregadas, e não se fez rogado. Num abrir e fechar de olhos, longos rosários de caracóis acabaram sugados e rilhados - um aspirador não faria melhor -, por aquele bico longo e espalmado a lembrar dois palitos la reine justapostos. Um verdadeiro bodo ao nosso pato, que motivou o seguinte comentário: «Não te conhecia tão galfarro, ó pato. Ainda por cima, sorte a tua, os caracóis até já vêm temperados e servidos em espetos de alecrim». Ora, ora, tivesse esta cena acontecido no tempo em que os animais falavam, e outro pato cantaria, decerto com uma réplica deste jaez: «Deixa-te de histórias de patos, ó homem, e vai mas é buscar uma grade de minis para acompanhar o petisco, que se faz tarde». Palavra que foi isto que perscrutámos lá bem no seu imo, sem despegarmos os olhos dos dele.
Para corroborar a veracidade desta história, leia-se o seguinte no Manual de Agricultura Biológica, edição da Agrobio de 1988, página 413: «Como medidas de carácter mais preventivo (contra caracóis e lesmas), indicamos as seguintes: (...) 2) colocar galinhas e patos (...) no terreno antes ou no final da cultura.» Já agora, as fotografias, para que não restem dúvidas.