Fez esta última semana dois anos (no dia 10) que começámos o projecto da Horta Comunitária de Moura e dois anos também (no dia 11) que iniciámos este blogue.
Sobre o que era e aquilo em que se tornou a horta, algumas imagens e palavras que revisitam etapas/momentos importantes deste processo de cidadania participativa e colaborativa.
Sobre o que era e aquilo em que se tornou a horta, algumas imagens e palavras que revisitam etapas/momentos importantes deste processo de cidadania participativa e colaborativa.
Outubro 2011 - Há dois anos, a área da actual horta comunitária destinava-se apenas ao pastoreio de vegetação espontânea por um efectivo ovino que não ultrapassava a dezena de animais. Ou seja, não apresentava qualquer prática cultural digna desse nome. Votada praticamente ao abandono, a horta era uma sombra dos seus tempos áureos, descritos com saudade pelas gentes do bairro do Sete e Meio. Depois de algumas reuniões com a Câmara Municipal de Moura, a entidade proprietária, em que se definiram os termos de cedência de parte do terreno da horta para realização da componente prática da acção de formação Empreender à Medida - Produção Agrícola: Horta Comunitária, promovida pela ADCMoura, iniciámos finalmente os trabalhos no terreno no dia 10 desse mês, que marca também o começo deste projecto.
Outubro 2011 - Entre Outubro de 2011 e Fevereiro de 2012, a Horta Comunitária foi palco da referida acção de formação, destinada a mobilizar e aumentar as competências de 12 formandos em situação de desemprego, através do contacto com o mundo do trabalho associado à produção agrícola. Dos doze formandos iniciais, só um permanece actualmente na Horta. Apesar de tudo, foi com a colaboração de todos eles que iniciámos a operação de resgate da horta. As vagas resultantes das desistências foram entretanto preenchidas por pessoas que demonstraram ter interesse efectivo em cultivar os talhões disponíveis. Neste momento, a lista de espera para ingresso na horta conta com cerca de duas dezenas de candidatos.
Outubro 2011 - A situação de partida configurava um solo compactado, coberto com alguma vegetação espontânea e pródigo em pedras de média e grande dimensão, em particular na parcela superior, sem qualquer tipo de protecção contra a erosão. Foi necessário proceder a uma desprega manual seguida de mobilização mecânica do solo, realizada com o recurso a uma grade de discos. Apesar de não ser a opção preconizada para este tipo de intervenção, a ausência de alternativas no curto espaço de tempo que antecedeu o início dos trabalhos acabou por determinar a sua utilização. Foi solicitada, no entanto, uma mobilização muito ligeira na tentativa de disturbar o menos possível o perfil do solo.
Outubro 2011 - A recolha de amostras de solo para análise laboratorial revelou-se fundamental para avaliar a composição e fertilidade do terreno agrícola da horta e com isso identificar eventuais medidas correctivas.
Outubro 2011 - Devolver o branco da cal há muito desaparecido das paredes do muro e do tanque da horta foi uma das primeiras tarefas a que deitámos mão. Em Julho de 2013, voltámos a devolver a luz da cal à nossa horta. A nova campanha será em Julho de 2015.
Outubro 2011 - Recuperando a agrimensura dos antigos egípcios, definimos os limites dos doze talhões que ainda hoje se mantêm: oito talhões na parcela inferior e quatro na superior, com as medidas de 7x5m ou 6x6m.
Novembro 2011 - Foi introduzida uma vedação de rede ovilheira para impedir a circulação de ovelhas e galináceos da vizinhança na área reservada à horta comunitária.
Novembro 2011 - Início dos trabalhos agrícolas com a mobilização e preparação do solo dos talhões, sementeira e/ou plantação. Primeira campanha Outono-Inverno, marcada por seca severa, pois só choveu em final de Março de 2012. A implantação dos talhões individuais supôs um planeamento prévio, que permitiu ter em consideração, para além do gosto pessoal dos utilizadores, alguns aspectos fundamentais para a produção de hortícolas em modo de produção biológico: - plano anual de estabelecimento de culturas nos talhões, proporcionando uma ocupação permanente das áreas individuais; - rotação e consociação de culturas, tendo em consideração potenciais efeitos alelopáticos, aumento da diversidade de plantas na horta em cada momento do ciclo anual, exploração diferencial do solo e de nutrientes nele presentes, disponibilização/decomposição de matéria orgânica, sensibilidade a pragas e doenças, etc,; - estabelecimento de zonas de compensação ecológica com plantas que atraem organismos benéficos de zonas próximas para a área da horta, tendo-se utilizado sobretudo bordaduras de plantas aromáticas.
Novembro 2011 - Favas e ervilhas foram e continuam a ser as eleitas das culturas de Inverno na horta. Para além da gastronomia, estas leguminosas são importantes para a fertilidade e actividade biológica do solo sob a forma de adubo verde: fixam o azoto atmosférico no solo e, mais tarde, podem ser incorporadas na terra como fertilizante (sideração).
Novembro 2011 - A criação da área de compostagem obedeceu a alguns critérios de localização: acesso a todos os utilizadores; presença de ensombramento e garantia de não escoamento do chorume para linhas de água. Aliás, a instalação do compostor contemplou também a abertura de uma vala, forrada com plástico preto, para recolha precisamente desse líquido resultante da decomposição da matéria orgânica. O chorume, enquanto subproduto da compostagem, é excelente como bio-pesticida e também como bio-estimulante das plantas. Dada a escassez de insumos internos na horta que permitissem alimentar uma pilha de composto com o volume desejado, optou-se pelo recurso a subprodutos de outras actividades produtivas locais, como por exemplo folhas e ramos de oliveira provenientes da separação da azeitona, de protecção integrada, à entrada do lagar da Cooperativa Agrícola de Moura e Barrancos.
Novembro 2011 - Rumámos a Castro Verde para conhecer de perto o projecto das hortas comunitárias promovido pelo Município local, numa visita que visou o intercâmbio de ideias e recolha de boas práticas.
Novembro 2011 - Colocámos estacas de roseira em redor da horta e nas bordaduras dos talhões, pois, para além do embelezamento paisagístico que proporcionam e de apresentarem pétalas comestíveis e atraírem insectos auxiliares, desempenham ainda o papel de bioindicadores de doenças como o oídio ou farinha.
Dezembro 2011 - Realizámos a primeira visita técnica à horta numa manhã fria e seca de Inverno, guiada pelos próprios formandos/utilizadores e dirigida a convidados amigos e conhecidos que se mostraram curiosos no início e embevecidos no final com tudo o que viram e ouviram.
Dezembro 2011 - Não terminámos o ano sem antes trazer a Moura um importante tema que marca a actualidade e marcará certamente o nosso futuro comum: a recolha e conservação de sementes tradicionais. Em formato de ateliê e com muitas demonstrações práticas, o José Mariano, da Colher para Semear, não deixou ninguém indiferente. Como resultado desta sensibilização, a Horta Comunitária conta criar brevemente um banco de sementes para conservação do património vegetal de variedades tradicionais ou regionais.
Janeiro 2012 - No início de 2013, no âmbito das actividades da Semana da Comunidade Educativa, abrimos as portas da horta a alunos, famílias e professores das Escolas Básicas do 1º ciclo da cidade de Moura, para uma jornada de educação ambiental que foi muito profícua e que cativou miúdos e graúdos. Uma manhã diferente passada fora dos bancos da escola, que, esperamos, possa vir a dar frutos no futuro.
Fevereiro 2012 - Celebrámos a conclusão do curso de formação iniciado em Outubro de 2011 com um lauto almoço confeccionado pelos próprios formandos e servido em plena horta. Tratou-se de uma espécie de adiafa, termo utilizado aqui no Alentejo para designar o ritual de celebração alimentar e de confraternização associado à conclusão dos trabalhos do campo, após o ciclo agrícola. Para a ocasião festiva, escolhemos receitas à base de produtos das hortas e convidámos alguns amigos a juntarem-se à nossa mesa, que ficaram extasiados com a diversidade e qualidade da oferta gastronómica.
Março 2012 - A horta dispõe de um tanque antigo abastecido por água de nascente, que corre todo o ano. Costumamos dizer, com propriedade, que regamos as nossas hortícolas com Água do Castello, originalmente captada no castelo de Moura. Começámos por regar com um par de regadores e muita força braçal. Ao cabo de cinco meses, mantendo a simplicidade dos meios, desenvolvemos um sistema de rega por gravidade que leva a água a cada um dos talhões através de uma mangueira comum e correspondentes derivações com torneira individual, o que, sem ser o modelo perfeito, tem servido as necessidades das nossas plantas.
Abril 2012 - Enveredámos pelo "faça você mesmo" conhecendo os riscos da decisão e não nos demos mal. Apesar de alguns acidentes de percurso, a desmanchar e a refazer passo-a-passo, conseguimos pôr de pé, sem que sobrassem peças, a alegre casinha das ferramentas. Até hoje continua a ser a morada segura da alfaiaria agrícola da horta. Quando é preciso também serve de vestiário. Não, os menos magros também conseguem caber dentro.
Maio 2012 - A horta saiu por momentos do Sete e Meio e foi dar-se a conhecer na Olivomoura, através do stand da ADCMoura, primeira de muitas presenças em certames do género.
Julho 2012 - Há quanto tempo o tanque não era limpo? Quase trinta centímetros de lama e pedras, sendo que uma ou outra entupiam o cano de saída da água, deixa perceber que há muito, seguramente. Três hortelãos meteram então mãos à obra, dragando o fundo à procura de pedras e baldeando água lamacenta até as baldosas ficarem a descoberto, luzidias. Pronto a receber vinte mil litros de água bem oxigenada e cheia de reflexos azuis, o tanque voltaria a ser o abrigo dos nossos dezoito peixinhos da horta, entre barbos, carpas, bogas e pimpões.
Agosto 2012 - Por duas vezes a horta acolheu um grupo de futuros hortelãos participantes no Ateliê de Jardinagem organizado pela Câmara Municipal de Moura. Miúdos que trocam as férias grandes por dias dedicados à jardinagem só podem ser especiais. Fizeram perguntas, formularam desejos, plantaram e regaram, aprenderam, divertindo-se, e no final ganharam um troféu em forma de tomate coração-de-boi.
Fevereiro 2013 - Depois do Regulamento de Utilização e do Plano de Exploração da Horta Comunitária de Moura, compilámos um conjunto de informações e conselhos práticos úteis sobre horticultura em modo de produção biológico no Guia de utilização da Horta Comunitária de Moura. Disponível para consulta neste mesmo blogue.
Abril 2013 - Embora atrasados, celebrámos a chegada da Primavera, com música, poesia petisco no alforge e muita alegria. Porque "a poesia é para comer", já dizia a Natália Correia. A repetir na próxima Primavera, com toda a certeza.
Junho 2013 - No início deste Verão, investimos em operações de limpeza, desprega e controlo do escalracho nas áreas comuns da horta.
Julho 2013 - O talude com plantas aromáticas e medicinais, que separa as duas parcelas da horta, tem-se revelado uma das áreas mais importantes do espaço, permitindo, com uma intervenção equilibrada, agir não só ao nível da conservação do solo e combate à erosão, como contribuir para a fixação de insectos auxiliares e introduzir diversidade, embelezamento e refrigério. Em Julho deste ano, a colecção de plantas do talude ultrapassou as três dezenas de espécies diferentes.
Outubro 2013 - A horta, no dia de ontem, ao fim da tarde. Um domingo...
Domingo irei para as hortas na pessoa dos outros,
Contente da minha anonimidade.
Domingo serei feliz - eles, eles...
Domingo...
Hoje é a quinta-feira da semana que não tem domingo...
Nenhum domingo...
Nunca domingo...
Mas sempre haverá alguém nas hortas no domingo que vem.
Assim passa a vida,
Sobretudo para quem sente,
Mais ou menos para quem pensa:
Haverá sempre alguém nas hortas ao domingo...
Não no nosso domingo,
Não no meu domingo,
Não no domingo...
Mas sempre haverá outrem nas hortas e ao domingo...
Fernando Pessoa (Álvaro de Campos), Poesia, 9/8/1934
Que boa iniciativa! Gostei! Manuela
ResponderEliminar