Diga-se trinta e três centímetros. Isto é, um palmo e meio. Ou seja, meio côvado. Para descrever o porte de uma curgete amarela colhida no talhão do amigo Carlos em Julho passado e que nos foi oferecida pelo próprio para uma tajine.
Não trinta e três, mas três apontamentos rápidos sobre este legume da família das cucurbitáceas, a que também pertencem abóboras, pepinos, melões e melancias:
1) Na hora da curgete ir à mesa, o tamanho do fruto conta e de que maneira, mas não como seria de esperar. A escolha deve recair nos de menor dimensão, não mais do que vinte centímetros, da inserção do pedúnculo ao ápice. Podia ser um adágio: se menores e imaturos, mais tenros e saborosos os frutos. Logo, a colheita deve ser prematura, até para evitar o excesso de sementes e o enfraquecimento da planta.
2) As flores tubulares da curgete têm também assento na cozinha, e cada vez mais, sejam masculinas ou femininas, consumidas cruas, cozidas, recheadas, panadas ou como a imaginação ditar. Mas atenção: uma colheita desregrada pode pôr em causa a polinização e a viabilidade da produção. O mais avisado é poupar as flores masculinas e proceder à colheita dos frutos ainda com as flores femininas acopladas, quando estas já cumpriram o seu papel reprodutor. Ganha-se de três maneiras: um fruto óptimo, uma flor não menos e garantias de uma colheita escalonada até ao final de Outubro.
3) Se o objectivo são as sementes, o caso muda de figura: deve a sua extracção acontecer tardiamente, qualquer coisa como vinte dias após o início do amadurecimento dos frutos na planta escolhidos para este efeito. Depois de lavadas e bem secas à sombra durante alguns dias, as sementes devem ser armazenadas em recipientes herméticos. Se assim for, podem durar dez anos, com o seu potencial germinativo intacto.
Aqui chegados e tendo resolvido testar a teoria com a curgete desmedida, pudemos (com)provar um epicarpo um tanto duro e um mesocarpo ligeiramente fibroso, mas nada que comprometesse a nossa tajine. Diz-se que em tempos de guerra...
Falar de guerra e curgetes serve de pretexto para abordarmos a publicação entre nós dos Diários de George Orwell, provavelmente o acontecimento literário do último Verão.
Ao longo de mais de setecentas páginas, o autor de 1984 e d'O Triunfo dos Porcos dá-nos nota, numa prosa enxuta e sem rebuços, de uma vida intensa quase sempre no fio da navalha: as viagens da juventude, as experiências duras de trabalho com os apanhadores de lúpulo e com os mineiros no País de Gales, a passagem por Marrocos, a tuberculose que o vitima precocemente, as pesquisas que precedem a escrita das suas obras e os acontecimentos políticos do seu tempo muito marcados pela II Guerra Mundial e pela ascensão dos regimes totalitários. Tudo isto intercalado de entradas mais descontraídas onde cabem observações da natureza e dicas sobre agricultura, paixão que partilha com a da escrita. Primeiro em Wallington, no Hertforshire, quando aluga The stores, em 1936, por sete xelins e seis dinheiros por semana, e, já depois de terminada a Guerra, em Jura, a ilha das Hébridas que escolhe para refúgio do bulício londrino, Orwell dedica-se de forma árdua e competente aos trabalhos do campo, a avaliar pelos Diários. De entre as notas dedicadas ao tema, boa parte delas integrando o Diário dos Acontecimentos que Levaram à Guerra, respigamos as seguintes, escritas entre Junho de 1939 e Junho de 1947, sobre o ciclo anual da curgete:
D 7.6.39: (...) Plantei dois pés de curgetes, cobrindo-os com panelas. (...)
Não trinta e três, mas três apontamentos rápidos sobre este legume da família das cucurbitáceas, a que também pertencem abóboras, pepinos, melões e melancias:
1) Na hora da curgete ir à mesa, o tamanho do fruto conta e de que maneira, mas não como seria de esperar. A escolha deve recair nos de menor dimensão, não mais do que vinte centímetros, da inserção do pedúnculo ao ápice. Podia ser um adágio: se menores e imaturos, mais tenros e saborosos os frutos. Logo, a colheita deve ser prematura, até para evitar o excesso de sementes e o enfraquecimento da planta.
2) As flores tubulares da curgete têm também assento na cozinha, e cada vez mais, sejam masculinas ou femininas, consumidas cruas, cozidas, recheadas, panadas ou como a imaginação ditar. Mas atenção: uma colheita desregrada pode pôr em causa a polinização e a viabilidade da produção. O mais avisado é poupar as flores masculinas e proceder à colheita dos frutos ainda com as flores femininas acopladas, quando estas já cumpriram o seu papel reprodutor. Ganha-se de três maneiras: um fruto óptimo, uma flor não menos e garantias de uma colheita escalonada até ao final de Outubro.
3) Se o objectivo são as sementes, o caso muda de figura: deve a sua extracção acontecer tardiamente, qualquer coisa como vinte dias após o início do amadurecimento dos frutos na planta escolhidos para este efeito. Depois de lavadas e bem secas à sombra durante alguns dias, as sementes devem ser armazenadas em recipientes herméticos. Se assim for, podem durar dez anos, com o seu potencial germinativo intacto.
Aqui chegados e tendo resolvido testar a teoria com a curgete desmedida, pudemos (com)provar um epicarpo um tanto duro e um mesocarpo ligeiramente fibroso, mas nada que comprometesse a nossa tajine. Diz-se que em tempos de guerra...
Falar de guerra e curgetes serve de pretexto para abordarmos a publicação entre nós dos Diários de George Orwell, provavelmente o acontecimento literário do último Verão.
Ao longo de mais de setecentas páginas, o autor de 1984 e d'O Triunfo dos Porcos dá-nos nota, numa prosa enxuta e sem rebuços, de uma vida intensa quase sempre no fio da navalha: as viagens da juventude, as experiências duras de trabalho com os apanhadores de lúpulo e com os mineiros no País de Gales, a passagem por Marrocos, a tuberculose que o vitima precocemente, as pesquisas que precedem a escrita das suas obras e os acontecimentos políticos do seu tempo muito marcados pela II Guerra Mundial e pela ascensão dos regimes totalitários. Tudo isto intercalado de entradas mais descontraídas onde cabem observações da natureza e dicas sobre agricultura, paixão que partilha com a da escrita. Primeiro em Wallington, no Hertforshire, quando aluga The stores, em 1936, por sete xelins e seis dinheiros por semana, e, já depois de terminada a Guerra, em Jura, a ilha das Hébridas que escolhe para refúgio do bulício londrino, Orwell dedica-se de forma árdua e competente aos trabalhos do campo, a avaliar pelos Diários. De entre as notas dedicadas ao tema, boa parte delas integrando o Diário dos Acontecimentos que Levaram à Guerra, respigamos as seguintes, escritas entre Junho de 1939 e Junho de 1947, sobre o ciclo anual da curgete:
D 7.6.39: (...) Plantei dois pés de curgetes, cobrindo-os com panelas. (...)
D 8.6.39: (...) Preparei outro canteiro de curgetes, desta vez cavando menos fundo e colocando-lhe cerca de meio centímetro de aparas de relva por cima. Vou comparar os resultados deste tipo de canteiro com o outro. (...)
D 9.6.39: (...) Plantei mais dois canteiros de curgetes e retirei as coberturas dos outros. (...)
D 10.6.39: (...) As alfaces e as curgetes parecem-me bem. (...)
D 18.7.39: (...) As primeiras curgetes já estão a dar flores-fêmea. (...)
D 10.6.39: (...) As alfaces e as curgetes parecem-me bem. (...)
D 18.7.39: (...) As primeiras curgetes já estão a dar flores-fêmea. (...)
D 19.7.39: (...) Já se vê uma ou duas curgetes do tamanho de amendoins. (...)
D 21.7.39: (...) Esta manhã, abriu uma flor-fêmea de curgete; fechou de novo à noite, portanto presumo que foi fertilizada. (...)
D 11.8.39: (...) Cortei hoje a primeira curgete. (...)
D 7.10.39: (...) Descasquei e tirei as sementes de uma curgete grandinha (com cerca de 45 cm), e reparei que, depois de o fazer, só ficou cerca de 1,2 kg de polpa. (...)
D 12.10.39: (...) Cortei as folhas das curgetes para as deixar amadurecer. Deixei uma em cada planta, uma delas bastante grande. (...)
D 7.10.39: (...) Descasquei e tirei as sementes de uma curgete grandinha (com cerca de 45 cm), e reparei que, depois de o fazer, só ficou cerca de 1,2 kg de polpa. (...)
D 12.10.39: (...) Cortei as folhas das curgetes para as deixar amadurecer. Deixei uma em cada planta, uma delas bastante grande. (...)
D 26.10.39: (...) As dálias enegreceram imediatamente (com a geada e o gelo), e receio que as curgetes que eu deixara a amadurecer estejam condenadas, visto terem ficado de uma cor estranha. Recolhi-as para casa e acrescentei os caules à pilha de composto, que agora ficou completa, à excepção da palha velha que ainda está no jardim. (...)
D 6.4.40: (...) Semeei curgetes e abóboras em vasos. NB. que as curgetes estão nos vasos que ficam mais perto da estrada. (...)
21.6.47: (...) As lesmas comeram uma das duas curgetes - é possível que recupere. (...)
George ORWELL, Diários (trad. Daniela Carvalhal Garcia), Publicações Dom Quixote, 2014.
21.6.47: (...) As lesmas comeram uma das duas curgetes - é possível que recupere. (...)
George ORWELL, Diários (trad. Daniela Carvalhal Garcia), Publicações Dom Quixote, 2014.
33 cm.
Palmo e meio.
Meio côvado (bitola em pedra embutida no arco que sucede o alfiz da porta principal do castelo de Moura, utilizada durante o tempo em que a feira, criada em 1302 por D. Pedro I, teve aí lugar).
Trio de curgetes.
Flores masculina e femininas de curgete.
Talhão de curgetes.