Uma arroba de pedra de cal e uma hora para se transformar em cal aérea. Três semanas a estagiar, depois de extinta. Cento e oitenta metros quadrados de muro e tanque para caiar. Uma mão cheia de voluntários. Alguns com vasta experiência do ofício e todos com vontade de devolver àquelas paredes o branco obstinado da arquitectura do sul. Seis da manhã, pela fresca, em meados de Julho de um ano ímpar. Três camadas de leite de cal sobrepostas em outros tantos dias. Quanta magia, do branco translúcido ao branco opaco. Assim se renova a luz da cal na nossa horta.
"Procurando uma síntese definidora do Alentejo, tal como o vejo, direi que ele é a luz da cal e a extensão, a seara cor de sol, sob a intensidade do azul; e que nessa extensão acontece, de longe em longe, a quieta serenidade dos sobreiros e das azinheiras. Pureza, miragem do absoluto, voto de vida livre e de transcendência. Um povo pobre e altivo. Terra de muito poucos e, ao mesmo tempo, terra de ninguém. Ou terra de todos para todos, terra do impossível. Do sonho feito vida."
Excerto inicial da obra, A luz da cal (2006), de Urbano Tavares Rodrigues, escritor que cresceu em Moura e que faleceu sexta-feira em Lisboa com 89 anos, e para quem a cal é grumosa, reverberante, cegante, sarracena.