A RUA DAS HORTAS EXISTE MESMO. FICA SITUADA EM MOURA, NO BAIRRO DO SETE E MEIO.
ESTE BLOGUE É O DIÁRIO DE BORDO DA HORTA COMUNITÁRIA AÍ EXISTENTE. INICIALMENTE ASSOCIADA A UM PROJECTO DE FORMAÇÃO PARA PÚBLICOS DESFAVORECIDOS, COMO ESPAÇO DA COMPONENTE TECNOLÓGICA DO CURSO, A HORTA ENCONTRA-SE AGORA NUMA SEGUNDA FASE. NESTE MOMENTO, ACOLHE ALGUNS DOS FORMANDOS QUE MOSTRARAM VONTADE EM PROSSEGUIR A ACTIVIDADE PARA A QUAL FORAM CAPACITADOS E ESTÁ ABERTA A OUTROS INTERESSADOS EM ACEDER AOS RESTANTES TALHÕES DEIXADOS LIVRES. UNS E OUTROS SÃO RESPONSÁVEIS PELA GESTÃO COMUNITÁRIA DA HORTA, MEDIANTE A OBSERVÂNCIA DE UM REGULAMENTO E CONTRATO DE UTILIZAÇÃO. ESTE PROJECTO CONTA COM A ORGANIZAÇÃO DA ADCMOURA EM PARCERIA COM A CÂMARA MUNICIPAL DE MOURA, NÚCLEO LOCAL DE INSERÇÃO DA SEGURANÇA SOCIAL, EQUIPA TÉCNICA DE ACOMPANHAMENTO FAMILIAR PROTOCOLO DE MOURA E CENTRO DE EMPREGO DE MOURA. TAL COMO ATÉ AQUI, ESTE É TAMBÉM O ESPAÇO PARA FALAR DE REGENERAÇÃO URBANA, AGRICULTURA BIOLÓGICA E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E SOLIDÁRIO.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Beringelas & companhia

1.
Além de presentes na nossa horta, o que têm em comum a beringela, o tomate, o pimento e a batata? Serem frutos e tubérculo de plantas da mesma família, a família das Solanaceae, que inclui outros membros nada recomendáveis como é o caso do tabaco, da mandrágora e da beladona, sobejamente conhecidos pela sua elevada toxicidade. Não por acaso, um dos compostos dos quatro vegetais comestíveis é...a nicotina! Assim sendo, chegará o dia em que ficará provado que a nicotina ingerida é tão nociva quanto a inalada, e nessa altura surgirão certamente, depois dos restaurantes sem fumo, os restaurantes livres de solanáceas. Nunca se sabe, mas um hálito a solanáceas pode constituir um perigo redobrado para a saúde pública.  

2.
Taxonomias e vulgares de Lineu à parte, o tomate, o pimento e a batata têm costela do Novo Mundo, enquanto a beringela mergulha as suas raízes no sub-continente indiano. De onde foi trazida pelos árabes para a Península Ibérica, depois de difundida na Pérsia, China e Etiópia. No Andaluz, a beringela, ingrediente base das mais requintadas receitas e a que se atribuem efeitos afrodisíacos, além de outras crenças prodigiosas, parece estar sobretudo presente nos grandes centros urbanos, produzida em grandes hortas como as de Múrcia, Córdova, Granada, Sevilha, Valência ou Santarém. Como bem exalta Ibn Sara Assantarini (justamente um filho da capital ribatejana), num poema dedicado à beringela, "é fruto (...) alimentado por água abundante em todos os jardins".

3.
Já no Garbe remoto, nos actuais territórios rurais do interior do Alentejo e Algarve, não é de crer que a sua difusão e consumo tivessem sido muito expressivos, a avaliar pela exiguidade de grandes manchas regadas e escassa aptidão agrícola dos terrenos. Só em hortas e veigas, como as de Moura, se encontrariam condições para o seu cultivo ser bem sucedido, destinado essencialmente ao auto-consumo e abastecimento dos mercados locais. 

4.
Como quer que tenha sido, ou por razões ecológicas, ou pelo facto do regime alimentar das populações autóctones, marcado por tradições ancestrais e influências do legado romano, se basear em grande medida no consumo de cereais (trigo e cevada), leguminosas cultivadas (fava, chícharo, tremoço, grão, ervilha e lentilha) e ainda de plantas espontâneas (labaças, cardos ou beldroegas), confinando, assim parece, o consumo da exótica beringela ao quadro do quotidiano alimentar das populações islamizadas, ou por razões que a associaram a produto maligno e herético dada a sua popularidade entre muçulmanos e sefarditas, ou considerando a dificuldade do seu cultivo e confecção, ou ainda por não gozar de um especial apreço gastronómico pelo seu insípido sabor e piores digestões, por estas hipóteses ou por nenhuma delas, o que é certo é que a beringela não conseguiu afirmar-se na dieta alentejana, a ponto de não figurar no receituário regional, o que não deixa de ser surpreendente.
E, no entanto, foi a beringela, muito antes da batata, do tomate e do pimento, que primeiro surgiu no território que é hoje o Alentejo, em receitas simples ou requintadas, em combinações com outros vegetais ou carnes, em conserva, recheada, gratinada ou frita, depois de passada por ovo e farinha. 

5.
No século XVI, é a bordo dos galeões espanhóis que a beringela chegará às índias Ocidentais para uma história de sucesso, os mesmos galeões que na torna-viagem trarão os seus três parentes até à Europa para igual senda vitoriosa.  Esta novidade desencadeará uma revolução nos hábitos alimentares do Velho Continente, a que a cozinha alentejana não escapará. De entre o trio recém-chegado à região, destaca-se o tomate, a princípio olhado com desconfiança por ser considerado fruta tóxica e de ruim qualidade, mas que aos poucos vai convencendo os mais cépticos até ganhar o estatuto de indispensável em sopas, tomatadas, cozidos, refogados e afins. Outro que veio para ficar é o pimento, "mejor que pimienta" como escreveu Cristóvão Colombo. Vermelho ou verde (agora também em outras variantes benetton), foi reforçando a sua posição entre os ingredientes mores e hoje é referência primeira no tempero da carne de porco. Quanto à cultura da batata, entrou tardiamente no Alentejo e manteve-se até hoje residual devido a escassez de mão-de-obra e de terrenos regados que por aqui se verifica. Mesmo assim, para a posteridade ficaram receitas de sopas, migas e ensopados.

6. 
Neste Verão criámos condições para que a família Solanaceae se reunisse na horta, como um "ponto de encontro" de velhos primos que há muito não se viam. Na hora da colheita, tirámos tomates para gaspachos e tomatadas, pimentos para saladas de todo o género, batatas para acompanhar o ensopado ou engrossar a sopa... e quando chegou a vez das beringelas, imagine-se, ficámos com elas quentes nas mãos, sem saber muito bem que destino lhes dar, pois, como vimos, não havia receitas alentejanas que nos pudessem acudir. Entre criar umas migas arriscadas de beringela e jogar pelo seguro, acabámos a destapar o melting pot das cozinhas do mundo, numa sucessão de inefáveis ratatouilleduvec, mussaká, imam bayildi...,ou seja, pratos onde a presença da beringela é sagrada. Mesmo assim, não ficámos consolados. À medida que avançávamos por cozinhas mais orientais, demo-nos conta de que a batata, às vezes, e o pimento, outras vezes, não constavam das receitas à base de beringela. Subimos então a fasquia, e, num assomo de querer voltar a juntar plenamente a família desencontrada, fixámos o objectivo de reunir, não apenas na horta, mas à mesma mesa, e no mesmo tacho, a beringela, o tomate, o pimento e a batata. Foi assim que, animados de espírito ecuménico e depois de dias a vasculhar, identificámos o coktail de nicotina que dá pelo nome de Caçarola de hortaliças à napolitana, o tal que confere igualdade de oportunidades, como agora se diz, aos quatro vegetais, nas proporções seguintes (para quatro pessoas): 500 gramas de beringelas, 2 pimentos, 4 tomates, 600 gramas de batatas. Ainda com a vantagem de  termos juntado fumadores e não fumadores amigos à mesma mesa.

A Beringela

É um fruto de forma esférica de agradável gosto
alimentado por água abundante em todos os jardins.

Cingido pela carapaça do seu pecíolo
parece um coração vermelho de cordeiro
entre as garras de um abutre.

Abú Mohâmede Abdalá ibne Sara (Assantarini), natural de Santarém, e que viveu nos séculos  XI e XII, "é um dos poetas mais originais e inspirados do seu tempo", como refere António Borges Coelho no seu indispensável Portugal na Espanha Árabe, de onde este poema foi tomado de empréstimo.


Beringelas da horta comunitária



Tomates da horta comunitária



Batatas da horta comunitária



Pimentos da horta comunitária




quarta-feira, 10 de outubro de 2012

366 dias depois

Parece que foi ontem, e, no entanto, eis que está de volta o tempo das romãs. 

Ao fundo da ladeira da rua das Hortas, em Moura, existe um oásis a justificar o topónimo. Um lugar aprazível, como devem ser todos os oásis, onde não faltam um tanque de água fresca…com peixes! e zonas de sombra oferecidas, nestes dias quentes de Outubro, por um chorão, um lódão-bastardo, uma oliveira, uma figueira e umas quantas romãzeiras aos doze hortelãos que o utilizam em regime de gestão comunitária. Falamos da Horta da ETAR, uma pequena amostra do património agrário do Mediterrâneo, que beneficia da proximidade dos ricos solos de aluvião, onde o rio da Roda se encontra com a ribeira de Brenhas, e da água de nascente proveniente do Castelo. Esta como outras hortas de Moura reúnem condições excepcionais nestas terras do Sul ameaçadas pela desertificação, que foram sabiamente aproveitadas ao longo dos séculos e até há muito pouco tempo por gerações de hortelões, tornando Moura auto-suficiente na produção de frutas e hortícolas. Porém, a situação alterou-se e estes mesmos produtos chegam agora de fora, alguns de muito longe, para rechearem as prateleiras das grandes superfícies. Sinal dos tempos, as últimas horteloas deixaram de vender no Mercado Municipal e restam dois ou três produtores que abastecem o pequeno comércio. É um facto que as pequenas hortas periurbanas perderam importância, mas existe a esperança de que melhores dias virão. Precisam sobretudo de uma oportunidade, que, ironia das ironias, pode ser dada pela actual crise, a tal que, mais cedo ou mais tarde, nos vai obrigar a voltar à terra, à agricultura, para produzirmos os nossos próprios alimentos. Este foi o ponto de partida de um projecto formativo que teve a horta como cenário da componente prática e que decorreu entre 10 de Outubro de 2011 e 8 de Fevereiro de 2012, com supervisão da ADCMoura – Associação para o Desenvolvimento do Concelho de Moura e colaboração da Câmara Municipal de Moura, Segurança Social e Centro de Emprego de Moura. Visava-se, em traços gerais, mobilizar e aumentar as competências pessoais, sociais e empreendedoras de doze pessoas que enfrentam situações de desfavorecimento, através do contacto experimental com o mundo do trabalho associado neste caso à produção agrícola e ao cultivo de uma horta colectiva, permitindo por essa via a tão desejada qualificação e inserção sócio-profissional dos formandos, sem esquecer as dinâmicas de ordem económica e ambiental que esta intervenção pode ajudar a lançar. Como resultado deste processo, encontramos hoje na horta três formandos que deram continuidade a esta actividade, aplicando os conhecimentos adquiridos, dando nota da sua integração social e retirando ao mesmo tempo benefícios económicos da exploração dos respectivos talhões. Os restantes nove talhões foram posteriormente atribuídos a pessoas que revelaram interesse e algumas ainda necessidade em tirar partido do projecto: três desempregados, dois reformados, quatro activos por conta de outrem. Entretanto foram desenvolvidas diversas actividades que ajudaram a melhorar a horta e ao seu reconhecimento junto da comunidade local e mesmo nacional. Das relacionadas com o cultivo propriamente dito dos talhões às questões que dizem respeito à gestão colectiva de espaços e equipamentos, passando pela organização de formações e workshops, produção de documentos (regulamentos, guias, plano de exploração, etc), gestão deste mesmo blogue e iniciativas com o exterior (por exemplo, visitas de escolas e visitas de produtores agrícolas), todas têm contribuído para afirmar este projecto e para chamar a atenção dos mourenses para um património que é seu e que necessita de ser aproveitado em prol do desenvolvimento local, em benefício da comunidade, conjugando aspectos de natureza social, económica, ambiental e política. Neste momento, existem nove pessoas em lista de espera para ingressarem na horta, o que dá bem a ideia do sucesso deste projecto junto da comunidade local e da necessidade urgente de ampliarmos o espaço actual da horta comunitária. 

(texto publicado no jornal A Planície)



quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Peixinhos da horta

E agora, algo completamente diferente. Nesse dia em que eram esperados 41 graus em Moura, três hortelãos declinaram sementeiras e sachas em favor de algo mais consonante com a canícula. Depois de aboborarem a ideia peregrina, decidiram ir a banhos..., engolfando-se no tanque da horta! Enfim, podia dar-lhes para pior. Longe da ideia que fazemos do mar coralino das Caraíbas, o reservatório de água turva garantia no entanto refrigério q.b. e um terapêutico banho de lama, dos pés à cabeça. Vantagens que foram levadas em conta pelos três hortelãos quando decidiram unir esforços e não adiar mais a limpeza do tanque. Condizentes com a tarefa, usavam calçado anti-derrapante e empunhavam espátulas, escovas, pás e baldes. Ainda tentaram dosear o estrondo da entrada, mas não evitaram que o alvoroço das quietas águas tomasse formas de tsunami para rãs e insectos à deriva e envolvesse no remoinho o cardume de carpas e barbos residentes. Duas horas depois e os baldes entravam finalmente em acção no transvase dos últimos litros de água, mais lodo, limos e pedras que água, de um total de cerca de 20 mil que o tanque armazena.  E antes que perguntem qual o destino dos peixes, é melhor que se comece pela sorte das rãs. Ora tanto esbracejaram ao sabor das correntes e na crista das vagas provocadas pela movimentação dos humanos, que vieram, aturdidas, às suas mãos mais cedo do que se pensava. Foram recuperar no exterior do tanque, na poça junto à torneira de saída. Os peixes acabaram por dar mais luta, espadanando o que restava do seu ambiente natural até se imobilizarem, esfalfados, numa espécie de pego. Mesmo assim não foi fácil fazer a sua trasfega para os dois bidões que os esperavam atestados de água. Um mínimo safanão de barbatanas escorregadias, e era o bastante para se escaparem por entre os dedos. Depois veio a corrida contra o tempo, retirar as últimas lamas, iniciar o enchimento, garantir um mínimo de água navegável e devolver as criaturas sãs e salvas. Um dia depois, tanto quanto demora a encher o reservatório, viemos encontrar os nossos dezoito peixinhos da horta felicíssimos da vida, emborcando, a plenas guelras, uma água agora bem oxigenada e cheia de reflexos azuis. Tão apetecível, que dava vontade de um mergulho. De um mergulho a sério.       

"Estava logo o Tanque Grande, que lago se pudera chamar, pela muita água que em si encerra. Ele, de muita altura, colmado de muitos peixes de toda a sorte, com grossos barbos, em que os Senhores se recreavam das ginelas que pera ali corriam, com a pesca de cana, e com verem nadar nele, no tempo de Verão, muitos moços do Paço e daquela Vila, dando de cima dos arcos que cingia grandes margulhos, tomados de todo o alto. Socedia alguns anos ficar algum moço pelas custas afogado nele, por se embaraçarem, com os margulhos, nos limos, e não poderem tornar acima, e ter no meio um sorvidouro, ou caldeira. E com lhe defenderem não chegassem a ela, alguns mais ousados o faziam, e lá ficavam. E nem por isso deixava de concorrer muita gente a nadar nele, levando-os àquele desenfado também o interesse, porque os Senhores, aos que milhor margulhavam, lhe mandavam botar pelos criados seus tostões."
António de Oliveira Cadornega, Descrição da Villa Viçosa, 1640-1680.   


Dragando o fundo à procura de pedras.


As rãs pressentem que estão a ficar com pouco espaço de manobra.


A maré está a baixar: altura para começar a pescaria.


E o primeiro a sair na rifa é um pimpão.



Uma carpa sentindo a vida a andar para trás.




Este barbo também está a ver o caso mal parado.


Eis o atoleiro da situação.



Já fomos menos intocáveis do que agora.




Agora os peixes já vêm à mão, apesar dos golpes de barbatana.


A água está a ficar uma verdadeira sopa para esta rã.



Pazadas de lodo sem conto.


Já se vê a baldoza.


Percebe-se que os peixes venham à tona espreitar o desenvolvimento dos trabalhos de limpeza. Suspeita-se que lhes apeteça dar um sermão aos homens pela demora. 



Início do enchimento.


Finalmente, como peixes na água.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Cabaz PROVE chega a Moura

Faça como a Patrícia e receba directamente das mãos do agricultor Luís e de outros produtores um cabaz PROVE a seu gosto, com legumes e frutos frescos cultivados na região de Moura, em pequenas explorações e, já agora, a um preço justo. Só tem que se inscrever e fazer a sua encomenda aqui (indicar dados pessoais, local de recolha, periodicidade e quantidade de cabazes que pretende receber em cada entrega e assinalar os produtos que nunca irá querer receber). A primeira entrega de cabazes PROVE em Moura vai realizar-se já no próximo sábado, dia 11 de Agosto, entre as 11.30 e as 13 horas, no Mercado Municipal.      
Junte-se a este movimento, em nome da qualidade alimentar, do ambiente, da economia e identidade local. Saiba mais aqui.


terça-feira, 7 de agosto de 2012

Hortelãos do futuro

Para mais em pleno Verão, não é habitual ver os mais pequenos, aqui em Moura ou noutro lugar, trocarem as playstations, televisão ou piscina do costume por uma manhã inusitada dedicada à agricultura e passada na horta. Não sendo habitual, vai acontecendo, o que deixa mais feliz quem acredita, como é o nosso caso, que o futuro são as crianças e as hortas, não desfazendo de outras expectativas e apostas igualmente importantes. Aconteceu ontem e acontecerá durante todos os dias em que participarem nas restantes actividades do Ateliê de Jardinagem, organizado pela Câmara Municipal de Moura para ocupação dos seus tempos livres. Só por esta prova, cada um dos jovens visitantes mereceu erguer um troféu em forma de tomate coração-de-boi, colhidos em dois ou três tomateiros pelas suas próprias mãos. Mas a vida não é só rosas, e por isso aprenderam na pele a contar doravante com os ramos espinhosos das beringelas. Como no jogo das escondidas, descobriram o esconderijo de meloas e melancias entre a palha, surpreenderam pepinos, courgettes e vagens de feijão-verde balançando-se nas alturas como trapezistas do circo e intrigaram-se com o segredo das abelhas polinizadoras. No fim, conheceram o mistério das sementes e do criadeiro onde elas se transformam em seres vivos com raiz, caule e folhas, entusiasmaram-se com os barbos do tanque de rega e com a mangueira que passou de mão em mão para dar de beber a plantas que cheiram que consolam. Lembram-se particularmente de uma que cheirava a limão e de outra que cheirava a Vick! No próximo dia catorze estarão de volta à horta para plantar ervas aromáticas e pintar pequenas placas identificadoras com os nomes das plantas. Cá os esperamos, de braços abertos!    

Mediterrâneo

Como no poema de Whitman um rapazito
aproximou-se e perguntou-me: O que é a erva?
Entre o seu olhar e o meu o ar doía.
À sombra doutras tardes eu falava-lhe
das abelhas e dos cardos rente à terra.

Eugénio de Andrade, in Escrita da Terra (1970-1978)



Os mais novos têm cinco anos, os mais velhos dez e todos vieram para aprender e descobrir coisas novas, acompanhados pelas suas monitoras. Depois da apresentação, vamos lá conhecer os segredos da horta com a ajuda do sr. António


O esconderijo de meloas, melancias...


...e courgettes


Os ramos das beringelas picam...ai não que não picam


Cá está a nossa pequena beringela


Esta é a maternidade da horta; daqui saem as plantas pequenas utilizadas nos talhões


São sementes de nabo greleiro


A romãzeira não foi esquecida por este zeloso hortelão 


Um troféu pela participação: um tomate coração-de-boi 

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Quinta, horta ou quinchoso?

Que designação ou classificação atribuir ao nosso cercado hortícola e pomífero? Quinta, horta ou quinchoso? Salvo melhor opinião, entre a grandeza da quinta e a exiguidade do quinchoso, é "horta" que melhor lhe assenta, apesar de também ser velada, numa das estremas, por um bom muro de alvenaria próprio das quintas. 


"Quinta, horta ou quinchoso - Por qualquer destes nomes se designa o cercado hortícola e pomífero, que produz hortaliças e frutas para consumo do monte. Se a sua área e valor é grande, ou para melhor dizer, se contém pomares de vulto como laranjais, ameixiais, etc., e se são velados por bons muros de alvenaria chama-se-lhe quinta. Se porém o seu todo é pequeno, ou se mesmo grande, mas que não esteja povoado de muito arvoredo frutífero, e se sobretudo a vedação se reduz a uns simples valados, denomina-se horta. No revestimento das sebes empregam-se as piteiras, figueiras-da-índia, canas, silvas, etc. Quando o hortejo se reduz a proporções mínimas toma o nome de quinchoso."
José da Silva Picão, Através dos Campos - usos e costumes agrícolo-alentejanos, Publicações Dom Quixote, 1983, pp. 38-39 (obra publicada originalmente em 1903 e reeditada em 1947).

Neste primeiro dia de Agosto, mês em que as regas continuam a ser o trabalho mais importante na horta, em que se arranca a batata que estiver feita e com a rama seca e se colhem sementes para guardar, de ervilha, fava, cenoura, beterraba e couve, apresentamos um breve retrato do Estado desta Nação:


Muitas e boas cebolas para comer e chorar por mais


Aqui temos uma leira de beringelas que dá gosto ver


Espinafres para esparregados e para guardar a semente


Um batatal frondoso e florido que promete uma boa colheita


O carnudo tomate coração-de-boi 


Courgettes fritas, recheadas ou grelhadas?


Beldroegas que já deram para muitas e deliciosas sopas


Feijão-verde para comer cru ou na sopa, neste caso com um ramo de segurelha


Pimentos dando um ar da sua graça


Alfaces e beterrabas para a salada


Mais alfaces, frescas e viçosas


Tomateiros carregados de coração-de-boi


Criadeiro com várias qualidades de couve para uso dos utilizadores e das utilizadoras da horta

domingo, 22 de julho de 2012

Gaspacho servido dentro de momentos

Verão rima com tomate e simplicidade na hora de preparar o repasto. Rima com saladas, gaspachos, tomatadas e outros exemplos de comidas frugais, leves, aromáticas e refrescantes da cozinha mediterrânica, cuja preparação está perfeitamente ao alcance de qualquer mortal que pretenda, de quando em vez,  puxar dos galões culinários  e fazer um brilharete junto de convidados ou convidadas especiais. Afinal, não é o povo que diz que "no tempo dos tomateiros não há ruins cozinheiros"? Ou numa outra versão recordada por Orlando Ribeiro, no seu Mediterrâneo - Ambiente e Tradição, mais dada a segundas leituras susceptíveis de fazerem corar algumas belfas que nem tomates maduros: "no tempo do tomate todas as cozinheiras são boas".
Sugestionados por tudo isto, por apetites estimulados pelo clima e que não seria muito arriscado o desafio culinário a que nos propunhamos, decidimos no outro dia rumar até à horta em busca de meia dúzia de tomates maduros para esta receita de gaspacho à moda alentejana:
"Numa terrina pisam-se os alhos, tomate pelado e flor de sal. Acrescenta-se o azeite, a água, o vinagre e o pimento e o pepino picados. Rectifica-se o sal. Na hora de servir, deita-se dentro do preparado pão cortado aos cubinhos e orégãos a gosto. Pode-se juntar cubos de gelo. Acompanha com peixe frito". (Aromas e Sabores - Comidas de Mértola - recolha realizada por alunos, professores e funcionários da Escola C+S de Mértola e coordenada por Nádia Torres, 1997).
Pois bem, foi como se todo o gelo do gaspacho tivesse desabado em cima de nós: nem seis, nem cinco, nem um só tomate viemos encontrar em condições. Logo agora que o gaspacho se tinha imposto como escolha definitiva de um almoço em que pretendíamos surpreender. Afinal, tomates muito bonitos e bem formados, mas...todos ainda pintados de verde! Isto é, sem aquele rubor característico dado pelo licopeno*. 




O sr. António, um dos mais recentes zeladores da nossa horta e que nunca ouviu falar do licopeno, apareceu logo em nosso socorro tentando limitar os danos da situação com os seus vastos conhecimentos em matéria de desponta* e capação* de tomateiros, pepineiros, meloeiros e afins. Competências à espera de acreditações a que tem igualmente direito, que utilizou com sucesso em toda a sua vida de hortelão para apressar o amadurecimento dos respectivos frutos e garantir melhores colheitas, e que agora tinham o efeito de compensar em parte a nossa desilusão.          


"-Todos estes olhinhos são cortos, está a ver?, para o tomateiro não se pôr com tanto viço e para o tomate ser mai grado e ficar maduro num instante. Deixe passar uns dez a quinze dias e pode ficar descansado que já tem tomates para o seu capacho".


Resignados - que remédio! -, demos tempo ao tempo e deixámos o sol e os truques do sr. António fazerem o seu curso. Finalmente, ontem fomos à horta para constatar, como São Tomé, que os tomates estão quase no ponto. Mal pode esperar esta sede de gaspacho com sabores e aromas da horta, porque o Verão não é eterno e porque há que aproveitar bem os momentos que sabem pela vida.  
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*Licopeno - é um caratenóide antioxidante, de que o tomate é a melhor fonte, que garante a sua cor vermelha, e que, quando absorvido pelo organismo, ajuda a impedir e a reparar os danos causados  às células pelos radicais livres, retardando o envelhecimento e actuando na prevenção de diferentes tipos de cancro, entre os quais o da próstata.

*Capação do tomateiro - designa a operação em que se retiram pequenos rebentos axiais (ladrões) que existem entre as folhas e o tronco central do tomateiro. Estes rebentos, porque consomem bastante seiva, limitam o desenvolvimento e amadurecimento dos tomates.

*Desponta do tomateiro - designa a operação, a realizar quando o tomateiro tiver produzido 6 ou 7 ramos com tomates, em que se corta o topo ou a extremidade da planta para parar o seu crescimento. Este tipo de poda ajuda a produzir tomates de boa qualidade, evitando, pelo contrário, a profusão de frutos de baixa qualidade e amadurecimento tardio.